A Gamay e o Douro
Se a casta de uva Gamay não lhe é familiar, certamente você já ouviu falar, ou já tomou, seu produto mais famoso, o Beaujolais. Aquele vinho tinto elaborado na região ao extremo sul da Bourgogne, concebido para ser tomado jovem (sem envelhecimento). Uma parte da produção é levada ao consumo público assim que engarrafada e tem lançamento feérico na França. E no mundo inteiro. “Le Beaujolais Nouveau est arrivée!” (o novo Beaujolais chegou!) é um evento anual célebre, que se instala à meia-noite e 01 minuto da 3ª quinta-feira de novembro, cerca de dois meses após a colheita das uvas. Você sabe, né leitor, mesmo os tintos mais jovens chegam ao mercado por volta de seis meses depois da vinificação. Essa juventude do Beaujolais só é possível pelas características da casta Gamay (se pronuncia gamé). Também conhecida por Gamay noir à jus blanc e Jurançon noir, é fruto do cruzamento da tinta Pinot Noir com a branca Gouais Blanc. Visto ser muito produtiva, com amadurecimento precoce, na idade média era uma casta abundantemente plantada na Bourgogne. Até que Phillippe le Hardi, Duque da Borgonha, privilegiou a complexidade da Pinot Noir, soberana uva da Bourgogne, restringindo o plantio da Gamay à região de Beaujolais. Onde, por sua vez, reina. Mas também é plantada, com menor importância, no Vale do Loire, Suíça, Canadá, Estados Unidos, Itália, Nova Zelândia, Austrália, Croácia, Brasil... Em todos esses locais gerando vinhos límpidos, aromáticos, bem frutados (cereja, morango), com taninos sutis e boa acidez. Aquilo que muitos gostam de chamar de vinho “glu, glu”.
Como já mencionei, próprios para consumo rápido, ainda jovens. Bem, melhor dizendo, na maioria das vezes. Pois há os ótimos Crus de Beaujolais, com maior complexidade de sabores, que podem envelhecer bem por uma década. Entre esses crus, o Morgon. Finalmente aportei no Douro, amigo! Pois semana passada recebi a auspiciosa informação que a Quinta Maria Izabel, de DNA nordestino, havia firmado acordo com um produtor de Gamay para cultivo da uva lá nas colinas durienses. Melhor, não qualquer produtor e sim o Marcel Lapierre, considerado o “rei do Morgon”. Salvo alguma plantação “escondida”, será assim a introdução da Gamay nas terras lusitanas. Estou ansioso para daqui a uns dois anos ver o resultado dessa fusão de conhecimentos enológicos entre Dirck Nieport e Lapierre. Pois é, leitor, o mundo gira, fica cada vez mais global. Sempre respeitando as tradições regionais, é bom que assim seja. O experimentalismo, quando bem sucedido, é que move o moinho, impulsiona as águas. Tal qual neste momento, a corrida pela vacina do coronavírus. Que chegue logo, né amigo? Desde que não essa aí, feita de vodka... Hoje vou a procura de um Morgon no mercado local – difícil! – para fazer meu tim, tim, brinde à vida.