Alma Viva e Pêra Manca
O que têm em comum esses dois vinhos, o chileno Alma Viva e o português Pêra Manca? Exceto por serem ícones em seus países, enologicamente falando, nada! Mas para meu espírito, têm tudo a ver. Visto me terem sido servidos e depois presenteados por uma pessoa muito especial. Que por sinal, nem era tão aficionada por vinhos assim. Pensando agora sobre isso, se tivesse sido, provavelmente idealizaria e construiria a melhor das vinícolas. Perdemos nós, amantes do vinho! Com essa afirmativa já lhe dando a pista que me refiro a Ricardo Coimbra de Almeida Brennand, que esse vírus endiabrado tirou do nosso convívio, dias atrás. Deixando claro que não tenho ousadia de escrever mais nada sobre ele que já não tenham escrito, em especial os vários Ricardo a que tão bem aludiu Joaquim Falcão. Faço apenas registros pontuais das muitas boas lembranças que tenho dele.
Você deve estar se perguntando: se ele não era enófilo, por que então servia vinhos dessa alta qualificação? Primeiro, por ser um homem de bom gosto – nessa seleção, contando certamente com auxílio de um genro. Depois, pelo seu conhecido atributo de extrema generosidade. Gostava de proporcionar alegria aos outros, o que fazia com maestria. Prova maior não há que o Instituto Ricardo Brennand, que legou ao povo pernambucano, em particular às crianças, como ele sempre frisava. E no ato de me presentear, sem motivo especial, revelando mais um traço de sua personalidade: carinho. O que me reporta a uma vista que nos fez, em nossa casa de Gravatá. Agradá-lo com tapioca, pamonha e canjica, que ele tanto apreciava, foi até fácil (embora não beijassem os pés daquelas servidas por D. Gracita, descobertas nas andanças deles por aquele município do Agreste). Difícil foi ele aceitar minha oferta de vinho. Com elegância, alegou alguma coisa de saúde, mas de fato acredito que não confiou na minha adega, leitor! Aqui entre nós, Dr. Ricardo, tinhas razão. Que naquele instante o suprimento não estava grande coisa mesmo. Porém, deixou transparecer se deliciar com um suco de graviola – será que foi outra fruta nordestina? – que Ana Christina lhe serviu. Aí revelando mais um detalhe de seu caráter, a simplicidade. Por todos esses atributos e mais tantos outros, esse múltiplo Ricardo fará imensa falta, amigo.
Concluo com uma promessa, Dr. Ricardo. Se no além a gente se encontrar, com a ajuda da futura inteligência artificial, lhe levo uma garrafa do Pêra Manca e brindaremos à nossa Alma. Viva! Que Deus intervenha em favor desse encontro. Por aqui, por enquanto – vade retro seu Corona – tim, tim, brinde à vida.