Como fazer um vinho
Hoje o assunto é técnico. Isso dito, estou preparado para perder alguns dos poucos leitores da coluna. Paciência. Mas há muito me instigam a falar sobre o processo de vinificação e me sinto obrigado a atender “a gregos e troianos”. Você gosta de vinho suave? Então, se eu suavizar o texto, será que você agüenta ler até o fim?
Como toda cultura, o vinho começa na escolha da terra e sua condição climática. As castas de uvas viníferas gostam de climas temperados, com boa definição das quatro estações. Tá bem, o Vale do São Francisco não tem nada disso e produz vinho. É a exceção que confirma a regra, gente. Nas áreas escarpadas, ideais para viticultura, até a orientação espacial do vinhedo – norte, sul, leste, oeste e, sobretudo, nascente, poente – é forte determinante para a qualidade do parreiral. Que adormece no inverno, quando sofre a primeira das podas, brota e flora na primavera, frutifica no verão, amadurecendo até o início do outono, época da vindima (colheita). Bem, os viticultores adorariam se fosse tão simples assim, mas não vou descer a detalhes. Prometi suavizar o texto, lembra? Restando dizer que é o terroir (misto de solo e clima) que determina o tipo de vinho que será produzido pelo vinicultor. Hoje, o vinho tinto será nosso modelo de vinificação.
Do campo para a indústria. Nela as uvas selecionadas são transportadas a um esmagador/desengaçador, onde são levemente esmagadas e os engaços (talos) retirados. O que às vezes não ocorre, pois os taninos dos engaços podem corrigir carências dos frutos. O sumo resultante e as cascas – ricas em leveduras naturais – formam o mosto. Que passa pela fermentação alcoólica e pela maceração. No passado – ainda preservado em algumas vinícolas – em cubas de madeira, hoje, nas cubas de aço (ou de concreto) com refrigeração controlada. Lembra da experiência de fermentar açúcar nas aulas de química? Resultava em álcool, gás carbônico e muito calor, não era? Como alta temperatura mata as leveduras, interrompe-se a fermentação, gerando um indesejável vinho doce. Daí, a importância do controle térmico, que maior ou menor, produz mostos com diferentes sabores. Onde se forma o chapéu (o sobrenadante), que deve ser remontado (misturado). Depois pode haver uma segunda fermentação, a malolática, quando o áspero ácido málico é transformado no palatável ácido lático. Tá bom de fermentação, gente. Já lá se foram, em média, de seis a 21 dias.
Daí o mosto vai à trasfega, onde o líquido é separado da parte sólida. Que prensada, gera o vinho de prensa, forte e escuro, por vezes usado para dar cor e intensidade de sabor ao vinho. É hora de tirar a turbidez do líquido, através da clarificação. Idealmente espontânea, decantando, ou pela indesejável artificialidade da filtração. Chegou aquele momento inexorável para todo ser vivo (o vinho tem vida): o envelhecimento! Certo, certo, há os vinhos jovens, que não passam pelas barricas de carvalho. Privilegiados? Sei não. Envelhecer é um ato nobre (tenho que me defender, leitor).
Faltou falar de um processo corretivo (consentido), por vezes necessário: chaptalização é a adição de açúcar ou suco de uva não fermentado ao mosto, quando as uvas não maturam adequadamente.
Outro grande avanço: as leveduras desenvolvidas em laboratório, mais “sabidas” que as naturais da casca das uvas. Por isso muitos bons produtores passaram a usá-las.
Viva! Temos vinho. Mas o texto ficou mais para um vinho tânico e encorpado que suave. Faz mal não, há quem prefira assim. Tim, tim. Brinde à vida!