Conheça os mistérios e segredos do vinho mítico Vega-Sicilia
A minha juventude foi povoada pela mítica e heróica figura de El Cid, nobre guerreiro castelhano, celebrizado no cinema por Charlton Heston. Ele, Heston, a própria encarnação dos heróis. A imagem do recém-falecido El Cid amarrado a seu cavalo, com a espada fixada em sua mão, cavalgando o campo de batalha, para exultação de suas tropas e desespero dos mouros, que o acreditavam – como de fato estava – morto, não abandona minha mente. Goya, Velázquez, El Greco, Picasso, Salvador Dali, Miguel de Cervantes, Lope de Vega são algumas outras figuras míticas da rica cultura espanhola. Da qual faz parte também a Paella, prato que me aventuro a elaborar, quando tenho motivação. Como hoje. Vou me abraçar com a paellera esta noite, leitor. E bem que eu gostaria de falar da minha receita, mas este é assunto para D. Lectícia, que minha função é falar de vinho. Para não sair da Espanha, escrevo então sobre seu mais cultuado vinho.
Já lhe contei que o país de El Cid tem várias boas regiões vinícolas, mas duas delas, vizinhas, se sobressaem: Rioja e Ribera del Duero. Nesta última é produzido o Vega-Sicilia. Cuja vinícola nasceu em 1848, quando Toribio Lecanda comprou 2.000 hectares de terra, onde seu filho, Eloy, 16 anos depois, plantou mudas de Cabernet Sauvignon, Malbec, Merlot e Pinot Noir, visando produzir brandies. Com o que angariou inegável sucesso. Só no século XX, em 1915, são feitas as primeiras garrafas dos tintos Vega-Sicilia e Valbuena. Que não eram vendidos, mas presenteados à alta burguesia e à aristocracia ligadas à família produtora. Aí começando a legenda que ronda este vinho, que “não podia ser comprado com dinheiro, apenas com amizade”. Pouco depois vieram premiações e rápido reconhecimento internacional. À frente da empresa passaram diferentes proprietários, culminando com a sua aquisição pela família Álvarez Mezquíriz em 1982, até hoje no comando. Com eles, uma importante modernização, sem todavia abandonar os clássicos preceitos que deram fama a seus vinhos, forjados na linha de vinificação dos mais renomados produtos de Bordeaux.
Onde pontifica a longa maturação (sete ou mais anos) em barricas de carvalho fabricadas na própria vinícola, seguida de um mínimo de três anos em garrafa. Os Álvarez fazem parte da Primum Familiae Vini, uma exclusiva instituição criada em 1991, que agrupa apenas 12 das mais prestigiosas vinícolas “familiares” da França, Itália, Alemanha, Espanha e Portugal!
O Vega-Sicilia foi celebrizado por várias personagens e suas histórias. Churchill dizia: “adoro este vinho italiano”. Sabe-se lá se ludibriado pelo nome Sicilia, ou, por isso mesmo, ironizando seu nome (ninguém sabe de onde procede). Conhecendo bem a história e a personalidade dessa figura, fico com a segunda hipótese. Já João Paulo II quis conhecer o vinho (bom gosto, tinha esse papa!) e foi presenteado com uma garrafa da safra 1920, ano de seu nascimento. Ronaldo, o ex-fenômeno, serviu este vinho no seu casório com Cicarelli. Pairando no ar a dúvida se um e outro entenderam o que bebiam. E, pelo rápido desfecho da união, o que estavam de fato fazendo ali! Mas isso é conversa para fofoqueiro. O que tem muito por esse mundo. Segundo soube, até hoje japoneses ligam para a empresa perguntando que safra deste vinho foi servida no casamento de Charles e Diana. Serviço esse que nunca aconteceu.
O Vega é produzido em duas versões: o Único, corte de Tempranillo (80 a 85%), com cerca de 15% de Cabernet Sauvignon e um pouco de Merlot; e o Reserva Especial, elaborado com a mistura de várias safras, um antigo processo que já foi mais comum na Espanha. A vinícola produz também um segundo vinho, o Valbuena 5°.
A família Álvarez expandiu os negócios da Vega-Sicilia, que hoje controla as Bodegas Alión e Pintia (na Espanha) e Tokaj-Oremus (na Hungria), onde faz vinhos de ótimo nível, a preços mais acessíveis.
Ao Vega-Sicilia e a minha Paella, tim, tim, brinde à vida.