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O conhaque de Gilberto Freyre

Era de pitanga a bebida favorita de teórico. É quase tudo o que se sabe dela - Da editoria de Arte

Estamos comemorando 80 anos do livro “Assucar”, obra do grande sociólogo, antropólogo, escritor e pintor (nas horas de folga), Gilberto Freyre. Como bem comentou Lecticia, querida colega de caderno, naquela época, um “ato de coragem”.

Para um intelectual de sua estirpe, publicar um livro sobre receitas, hábitos e utensílios culinários, assunto encarado como banal, deve ter sido motivo de maledicência no meio cultural. Hoje, todavia, é referência na compreensão sociológica de nossa região. Pois é, leitor, e cá estou eu, ousadamente, prestando essa homenagem.

Falando não dos doces, distante da minha seara e predileção, mas de seu famoso conhaque de pitangas. Também conhecido como licor. Valendo aqui diferenciar um do outro. Esse último é a mistura de álcool com frutas, ervas, temperos, flores, sementes, raízes, cascas de árvores, cremes e a adição de uma substância doce, que pode ser sacarose, mel, glicose...

Já o conhaque, é um destilado de frutas. Que deve seu nome à aguardente vínica, portanto de uva, produzida na região de Cognac, na França. Pode também ser feito de maçã (Calvados), cereja (Kirsch), ameixa (Slivovitz) e outras frutas.

Aqui sendo relevante um outro comentário. Tal qual o champanhe - nome que legalmente só pode rotular os espumantes fabricados na região de Champagne - os franceses pretendem que o termo conhaque se restrinja ao destilado de vinho de Cognac. Os demais seriam denominados de brandy.

Preciosismos à parte, voltemos ao tema de nosso artigo. É licor ou conhaque (brandy)? Vamos à receita. Segundo o livro “Gilberto Freyre e as aventuras do paladar”, de Maria Lectícia Monteiro Cavalcanti, pitangas muito maduras, colhidas no pomar do Solar de Apipucos, são colocadas em garrafas com cachaça de cabeça, fabricada em engenhos e por pessoas de confiança do sociólogo e seus familiares.

 Onde ficam macerando por cerca de 10 anos, guardadas na adega do solar. Após o que recebem pingos de licor de violeta. Necessariamente fabricado por freiras do Convento do Bom Pastor, em Garanhuns. Delas exigindo-se serem “virgens”!

Nossa, grande Gilberto, vosmicê nos deve explicação para essa singular premissa, na prática, de tão difícil certificação! Depois, canela de Apipucos é polvilhada sobre o líquido.

Finalizando a receita, um “pormenor significativo”, detalhe atualmente só conhecido por Gilberto Freyre Neto, secretário de Cultura de Pernambuco. Bom fruto da auspiciosa miscigenação de Freyre com Suassuna, Gilbertinho não abre o segredo pra ninguém.

Nem pra uma boa estória de Mestre Paulo de Taperoá! Justo. Mas precisa produzir algumas garrafas e colocar à venda na Fundação Joaquim Nabuco. A gente quer preservar esse gostinho na memória, né amigo? Só restando atestar o acerto do velho Gilberto na denominação da bebida.

Que se a receita não leva açúcar (ou assucar), não é licor, é conhaque. Ou brandy, se os franceses baterem o pé. E fecho essa singela homenagem a Gilberto Freyre, que foi tão próximo de meu pai e de meu padrinho, Paulo Rangel, com um especial tim, tim, brinde à vida. Hoje, com conhaque de pitanga!

*É enólogo e escreve quinzenalmente neste espaço

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