Vinho do finado
Esses dias reverenciamos e rezamos pelos entes queridos que já partiram dessa para melhor (assim espero que seja, de fato, meu leitor; mas pelo sim, pelo não, vou me esforçando pra ficar por aqui). Na nossa cultura, a partida de um parente ou amigo(a) é celebrada com um luto solene, sempre acompanhado de uma cena choradeira. É bem latino, né (lembra dos filmes italianos)? Já nas culturas anglo-saxões, se celebra com encontros mais festivos. Indicando que eles têm mais convicção que eu nessa história que o outro lado é melhor! Brincadeira, gente. Eu creio, sim. Só não boto muita fé que eu mereça – tenho um medo do tal do fogo eterno... Voltando às celebrações, lá no Reino Unido, existe o hábito de se beber durante os velórios. Sobretudo whisky. Dizem, em homenagem ao morto. Mas sempre achei essa história mal contada. É motivo mesmo para “tomar uma”! No nosso interior, “beber o defunto” era também um hábito, que infelizmente vem sendo substituído pelo pranto incansável das carpideiras! Fiquei pensando esses dias: como será o meu velório? Vi um filme das últimas homenagens ao Danilo Miranda, eterno diretor do Sesc paulista, grande patrono das artes. Lá entoaram lindas canções. Mas não vi brindes. Aí pensei: vou criar um vinho do finado, pra beberem no meu velório. Ah, quanta ilusão! Já fizeram, amigo. E lhe conto a história, que se dá em terras lusitanas. Ano de 1807. Napoleão invade Portugal. A família real foge para o Brasil (sabe o resultado, né?) e os portugueses tiveram que esconder os pertences para se defenderem dos saques (os invasores sempre foram assim, leitor)! Entre os bens de maior valia, o vinho, claro. Que foram enterrados sob a terra, especialmente em Trás-os-Montes. Com a expulsão dos franceses, desenterram as garrafas e, para grata surpresa, descobrem que elas haviam evoluído muito bem no sabor. Essa prática foi preservada por alguns trasmontanos, que deram o nome de Vinhos dos Mortos a esse tipo de produto. Deus sabe a razão! Seria uma forma de ressuscitação? Com o tempo esse hábito foi relegado a segundo plano. Recentemente, em 2008, Armindo Sousa Pereira, um viticultor de Boticas (Trás-os-Montes) resgatou a história e lançou um vinho com nome de Vinho do Mortos. Dessa forma, tomando minha ideia! Ô Armindo! O processo produtivo é basicamente o mesmo de qualquer tinto, mas depois do líquido envasado, as garrafas são enterradas e cobertas com saibro, onde permanecem por seis meses. Depois, seguem para o mercado. Soube que uma vinícola brasileira, Quinta do Olivardo (São Roque, SP), também está fazendo um vinho similar.
Faltando dizer que esse costume de enterrar garrafas (inclusive sob as águas do mar), para maturação do vinho, é praticado em alguns outros locais do mundo. Mas nenhum com esse nome peculiar.
Como a produção é pequena, vou comprar um estoque. Enterrarei de novo, para ser consumido nas minhas últimas homenagens, daqui a 30 anos. Aguenta a mão aí, amigo, que você vai poder prová-lo. Bem, abro uma exceção e entrego de bom grado esse estoque comemorativo se aquele “cidadão”, que ocupa uma cadeira onde nunca deveria estar, decidir antecipar sua ida. Seria a última “viagem”, para o melhor destino, Luiz! Tim, tim, brinde à vida.