Vinhos míticos: Château Haut-Brion (CHB)
Na minha recente viagem ao velho continente, solicitei, pela internet, uma visita a esta legendária vinícola de Bordeaux, sub-região de Pessac-Léognan. Tamanha é sua importância - o “rei dos críticos”, Robert Parker, chegou a considerá-la a melhor do mundo - que me surpreendi com a pronta e gentil confirmação da Barbara Wiesler-Appert, relações públicas do Domaine Clarence Dillon (proprietário do Haut-Brion). Gentileza que se manteve durante a visita guiada por simpática jovem francesa, falando um ótimo português, fruto de sua estadia no Porto. Para minha surpresa, visita sem ônus e privativa para mim e Ana Christina.
Não pude deixar de pensar em tanta vinícola por esse mundo, que sequer “cheira as botas“ do CHB e que cria empecilhos, ou cobra muito caro, para viabilizar visitas. Elegância é hoje um atributo raro, leitor! Elegância que não está só nas atitudes, mas também nas belas instalações físicas do château. Bem, vamos aos fatos. E a um pouco de história. Burdigala (Bordeaux) foi fundada pelos Bituriges Vivisci, uma tribo celta, cerca de 400 anos a.C., mas só no século I d.C,, com a chegada dos romanos, foram implantadas as primeiras vinhas de Biturica (casta que pode ser ancestral da Carmenère).
Registros dão conta que no século XV uma certa senhora (Johanna Faure) plantou uvas por ali em um “alto monte” - significado de Haut-Brion. Mas a real origem da vinícola se dá em 1525, quando Jean de Pontiac se casa e sua esposa trás como dote as terras que dariam lugar ao CHB.
Esse tal de dote era um negocinho interessante, não era amigo? Mas foi Jean - viveu até os 101 anos, fato raro naquela época - quem adquiriu a casa onde começou a edificar o château. Ele e seus descendentes desenvolveram bastante a propriedade, levando seu vinho a Londres, onde foi servido por Carlos II em recepções no palácio.
Um importante registro acontece em 1663, quando Samuel Peppys, um parlamentar inglês, escreve, sobre um vinho que tomara na londrina Royal Oak Tavern: “Lá eu bebi um tipo de vinho francês chamado Ho-Bryant (sic) com um sabor muito particular e bom, como eu nunca antes tinha encontrado”.
É a primeira referência a um vinho de marca, numa época onde os garrafões eram consumidos sem nome da propriedade, quando muito com citação da região de origem. Posteriormente, em 1787, Thomas Jefferson lá esteve, elegendo o CHB entre as quatro melhores vinícolas de Bordeaux. O que foi referendado na histórica Classificação de 1855, quando Haut-Brion, ao Lado dos Châteaux Lafite (depois Lafite-Rothschild), Latour e Margaux, recebeu a denominação de Premier Cru (em 1973, a revisão desta Classificação adicionou o Château Mouton-Rothschild à lista de 1er Crus).
Ressaltando que o CHB foi o único fora da sub-região de Médoc. Em 1935, a propriedade foi adquirida por um financista nova-iorquino, Clarence Dillon, que muito dinamizou a empresa, adicionando a ela outros châteaux bordaleses (o vizinho La Mission Haut-Brion e o Quintus, em St-Emilion).
Sua filha casou com o Príncipe Carlos de Luxemburgo, cuja descendência detém o controle da empresa até os dias de hoje. Seria impossível relatar aqui as muitas práticas inovadoras do Haut-Brion. Mas falta dizer, que, além do fabuloso tinto, o branco do CHB é tido como o melhor de Bordeaux.
Se um dia você se deparar com um Château Haut-Brion da safra 1961 - coisa quase impossível - faça uma reverência. O mesmo com as safras 1989, 2000, 2005 e 2009 (embora nos 1er crus não exista safra ruim). Mas é só uma reverência, viu? Pois comprar, é coisa pra milionário chinês! Ou pra turma do “petrolão”! Tim, tim, brinde à vida.
*É médico e enólogo e escreve quinzenalmente neste espaço