Vinhos míticos: pêra-manca
Dia desses, em evento comemorativo a um caríssimo apreciador de bons vinhos, fomos agraciados com o serviço deste famoso vinho português, produzido na região do Alentejo pela Fundação Eugênio de Almeida (Adega Cartuxa). O que me inspirou este artigo.
Seu estranho nome – para não fugir à tradição lusitana – vem de uma ribeira de mesmo nome, perto de Évora, onde pedras (pêras) pareciam oscilar (ou “mancar”).
É um vinho de história secular, remontando à época dos grandes navegadores e descobridores portugueses. Há boas razões para acreditar que Pêra-Manca foi o vinho trazido por Pedro Álvares Cabral em sua expedição. Sobre a reação dos índios aos cálices que lhes ofertaram, escreveu Pero Vaz de Caminha a D. Manuel: “mal lhe puseram a boca e não gostaram nada, nem quiseram mais”. Mau gosto desses índios, hein? Consta que eles preferiam o cauim, fermentado de mandioca ou milho, por vezes misturado a frutas. Olha aí o precursor da caipirinha, gente. Mas nossos indígenas tinham lá suas razões. Naquela época todo vinho, além de rústico, estragava rapidamente nas viagens, visto não haver técnicas de conservação. Mas há controvérsias quanto à versão de Caminha. Dizem as más línguas que os índios “encheram a cara”, dormiram e aí... Nove meses depois nasciam nossos primeiros caboclos!
Seja qual for a história verdadeira, o fato é que o Pêra-Manca de nossos dias teria agradado muito aos índios. Como agrada a todos nós. Sua atual versão enológica, elaborada desde 1990, apenas em anos de safra especial, produz um dos melhores vinhos tintos de Portugal. Trata-se de um corte alentejano clássico – Trincadeira e Aragonez – com maceração prolongada, o que lhe confere um caráter tânico possante. Ao mesmo tempo preservando o sabor de frutas vermelhas. Depois estagia 18 meses em carvalho e mais 24 meses em garrafa, antes de chegar ao mercado. Onde, lá na terrinha, é vendido acima dos 450 Euros. Aqui no Brasil, fica na faixa dos R$5.000,00. Vôtes!
Há também uma recente e menos prestigiada – mas bastante boa – versão branca, feita com as castas Arinto e Antão Vaz. O preço é igualmente bem mais agradável: ainda que mereça outro votes: cerca de R$950,00.
Por fim, cumpre mencionar que existe uma versão histórica – alternativa àquela das tormentas marítimas – que debita (ou credita?) a uma grande “carraspana” de Cabral e seus marinheiros o fato das naves terem chegado, por engano, ao Brasil. “Fake news”? Talvez. Depende da interpretação do Xandão. Pelo sim, pelo não, viva o Pêra-Manca. E tim, tim. Brinde à vida!