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[Análise] Eleição francesa reafirma força da direita radical e revela fragilidade de Emmanuel Macron

Macron participa de cerimônia memorial pelo massacre de 643 pessoas pelas forças nazistas alemãs, em Oradour-sur-Glane, na Segunda Guerra Mundial. - Ludovic Marin/AFP

O primeiro turno das eleições legislativas francesas terminou neste domingo (30) com recorde de participação popular e a concretização da extrema direita como favorita, segundo pesquisas de boca de urna.

O pleito foi convocado antecipadamente no início de junho pelo presidente francês, Emmanuel Macron, que apostou alto e colocou sua governabilidade em risco.

A cientista política Priscila Lapa destaca a expressiva participação popular no pleito que, segundo ela, foi um recado para o presidente francês, que convocou as eleições. 

 “O primeiro destaque é para a ampliação da participação popular no pleito, a maior dos últimos 40 anos. Esse por si já é um recado, principalmente porque a eleição se deu a partir de uma decisão do presidente francês. A convocação foi ouvida e, ao que parece, foi um recado de insatisfação com o governo atual”, afirmou.

Já o cientista político Antônio Lucena avalia que Macron apostou alto ao convocar as eleições e deve precisar de uma aliança com a esquerda para evitar que um primeiro-ministro oposicionista seja eleito. 

“Eu acredito que Macron fez uma aposta arriscada até porque os membros do seu partido perderam a eleição para o Parlamento Europeu e ele quis tentar dar um troco do ponto de vista interno e esse movimento não saiu bem. Agora ele vai ter que lidar com todas essas consequências e uma delas é se o partido Reunião Nacional (RN) sair vitorioso no segundo turno das eleições, se ele conseguir formar governo, você vai ter um primeiro-ministro diferente”, afirmou.

Governabilidade de Macron em risco

Antônio Lucena alerta para o risco da França entrar em um chamado governo de "coabitação". Pelo sistema político da França, semipresidencialista, a sigla ou a coalizão que obtiver mais votos indica então o primeiro-ministro, que, no país europeu, governa em conjunto com o presidente.

Caso o presidente e o primeiro-ministro sejam de partidos políticos diferentes, a França entrará em um chamado governo de "coabitação", o que pode paralisar o governo de Macron. Isso porque, neste caso, o premiê assume as funções de comandar o governo internamente, propondo, até mesmo, quem serão os ministros.

Segundo Lucena, essa possibilidade traz muita instabilidade para o Governo. “Isso termina gerando muita instabilidade porque, pelo sistema semipresidencialista francês, que vem desde a quinta república, o presidente é responsável pela política externa, política internacional, as armas nucleares, questões geopolíticas. Já o primeiro ministro é responsável por questões internas. Então isso pode gerar uma certa dificuldade em colocar a coisa adiante”, explica.

Extrema direita mais forte

Segundo Priscila Lapa, os números mostram a força da extrema direita na França. Segundo ela, há uma inclinação aos extremos nas democracias contemporâneas. 

“Esse resultado, caso se consolide no segundo turno, é uma demonstração de força da extrema direita, não localizada apenas na França, conforme a eleição para o Parlamento Europeu demonstrou. As democracias contemporâneas estão tendendo para os extremos, já há alguns ciclos eleitorais, e esse processo parece estar sendo reafirmado no cenário político francês”, avaliou.

Com um ambiente mais radical, os ciclos políticos tendem a ser mais curtos. “Os ciclos políticos têm sido mais curtos nas democracias atuais, com menos peso das pautas de centro. Na era atual, há também a intensidade da comunicação, o que faz com que os processos políticos de um país ou continente repercutam nos demais”, avaliou.

Reflexo no Brasil pode fortalecer direita

Sobre os reflexos no Brasil, a professora acredita que há um fortalecimento global de uma agenda mais conservadora.

“A vitória da extrema direita na França tem potencial para fortalecer pensamentos semelhantes no Brasil, reafirmando uma agenda global conservadora. As derrotas políticas de lideranças podem se espalhar para outros países, gerando o efeito simbólico de que a derrota não foi pontual, e sim de um conjunto de ideias defendidas”, analisou. 

Segundo Antônio Lucena, as eleições em grandes potências globais tendem a influenciar o pleito no restante do mundo.

“Temos um movimento de crescimento da extrema direita, que pode se afirmar caso (o ex-presidente dos Estados Unidos) Donald Trump seja eleito presidente dos Estados Unidos. Ou seja, com um debate desastroso que (o presidente Joe) Biden teve este medo só cresce. Então, essa possibilidade pode ser real. Se isso acontecer nos Estados Unidos, o que que a história mostra é que, quando você tem uma grande potência sendo governada por determinados tipos de governantes esse movimento político tende a se espalhar para outras potências ao redor do globo”, avalia.

Relações Brasil e França sem impacto a curto prazo

Sobre os reflexos nas relações entre Brasil e França, Lucena avalia que não haverá impacto a curto prazo, tendo em vista que Emmanuel Macron segue na presidência até 2027, sendo responsável pela condução da política externa francesa. O cenário muda em caso de vitória de Marine Le Pen no pleito de 2028. Mais nacionalista, ela tende a evitar acordos com o Mercosul, por exemplo.

“Dependendo de como o primeiro-ministro se sair, você tem um movimento que pode favorecer a eleição de Marine Le Pen nas eleições e ela pode já se tornar presidente francesa em 2028. Aí, sim, você vai ter um problema grave de reflexo para o Brasil porque a direita francesa ela é muito anti-imigração, endurecimento das leis de trabalho para as pessoas que vem de fora e também é eurocética. Então, isso significa que muitas coisas da União Europeia podem mudar, ela também é mais nacionalista. Isso significa que questões de agricultura que já são importantes agora vão afetar ainda mais. Pode prejudicar as exportações do Brasil. Acordos do MERCOSUL com a União Europeia podem não sair ou podem se tornar muito mais difíceis no processo de negociação”, avaliou Lucena.
 

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