Bolsonaro e João Doria encaram corrida por vacinas
A sexta-feira foi um dia excepcional para os brasileiros. E, pela primeira vez em muito tempo, não por conta de notícias trágicas relacionadas à pandemia, mas por duas notícias positivas: o Brasil poderá ter duas vacinas nacionais contra à Covid-19 em breve. O primeiro anúncio foi dado pelo governo de São Paulo durante a manhã ao anunciar que pedirá à Anvisa autorização para testes da Butanvac (vacina experimental desenvolvida pelo Instituto Butantan). O segundo anúncio do dia veio durante a tarde, por meio do ministro de Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, que afirmou que tinha pedido, há poucas horas, a autorização da Anvisa para testes clínicos com um imunizante financiado pelo governo federal.
O ministro rejeitou a especulação de uma corrida política pelas vacinas, mesmo com o anúncio do governo tendo acontecido apenas horas depois do da Butanvac. "No meu ponto de vista, não tem nada a ver um ponto com o outro", disse. "Coincidência, bom para o país", afirmou Pontes, sem citar o Butantan ou a Butanvac, que são instituições ligadas ao governo de São Paulo.
Na avaliação de Vitor Diniz, estrategista eleitoral e mestre em Ciência Política pela USP, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem se esforçado para "faturar politicamente" em cima da vacina, que pode ser um trunfo eleitoral para o governador de São Paulo. "A vacina já tem sido alvo de disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Inclusive, foi uma disputa incentivada e alimentada pelo próprio presidente da República durante boa parte de 2020. O presidente chegou a dizer em uma de suas lives, que não compraria a vacina de Doria. Então, houve desde o começo, sim, uma disputa política em torno da vacina, partindo, sobretudo, do presidente Bolsonaro", avaliou.
Em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, Pontes chegou a exibir o papel do protocolo e o material de divulgação da pasta veio acompanhado de uma cópia do mesmo. Com isso, o governo Bolsonaro tenta garantir o título de patrocinador da "primeira vacina brasileira", em mais um capítulo da guerra política travada entre o Planalto e o governador João Doria (PSDB). "É uma vacina que desenvolvemos com o professor Célio Lopes em Ribeirão Preto, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, e com a equipe dele, logicamente tem outros parceiros", disse Pontes, que não deu mais detalhes sobre o imunizante.
Segundo um comunicado do ministério, a vacina recebeu o nome de Versamune®️-CoV-2FC. O desenvolvimento é feito em parceria com as empresas Farmacore Biotecnologia e a PDS Biotechnology Corporation. Pontes foi perguntado por jornalistas sobre qual seria o nome da vacina. Ele respondeu que o nome é o "menos importante", mas que "deve ser alguma coisa com BR".
O cientista político Elton Gomes avaliou que diante do agravamento da pandemia e o aumento em relação ao número de mortes, um contexto completamente diferente do ano passado, força os atores políticos a se movimentar. Ainda assim, para Gomes, Doria tem conseguido sobressair sua imagem em detrimento a Bolsonaro. "Doria conseguiu se recuperar de um grande revés político que sofreu, que foi a reação do PSDB às suas manobras para garantir sua indicação a concorrer à presidência da República neste ano de 2022. Com essa nova movimentação, ele conseguiu recuperar parte desse prejuízo político sofrido, agora ele depende totalmente das aprovações dos órgãos competentes para poder ter o subsídio político dessa vacina", afirmou o especialista, explicando o impacto da gestão da pandemia nas eleições de 22.
De acordo com Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan, a Butanvac pode começar a ser testada já em abril. As informações foram repassadas em entrevista coletiva. É preciso, porém, aguardar a autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para promover ensaios clínicos em humanos. Covas afirmou que os testes com a Butanvac podem ser encurtados, contando com uma comparação com outros imunizantes usados contra a doença que já foram estudados. Esse atalho, se tudo der certo, permitiria iniciar a vacinação da população com o produto 100% nacional mais cedo do que nos casos observados até agora. Tanto a Butanvac quanto a Versamune precisam de autorização da Anvisa para as fases 1, 2 e 3 (testes clínicos). Passada as fases e comprovada a segurança, capacidade de promover resposta imune e eficácia, o imunizante recebe registro emergencial ou definitivo.
Numa expectativa extremamente otimista, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), levantou a possibilidade de isso ocorrer já em julho. Ainda nesse cronograma, de acordo com o Butantan, a fabricação de 40 milhões de doses da Butanvac pode ter início no mês de maio.
Na avaliação do cientista político e historiador, Alex Ribeiro, uma vacina brasileira é uma ferramenta política que pode mudar a imagem do governo. "No entanto, a validação da vacina não deve ser realizada em curto prazo. Será uma corrida contra o tempo diante do desgaste da administração. É preciso analisar se o Brasil irá aguentar essa crise sanitária por muito tempo", avalia.
Comemoração
Lideranças pernambucanas comemoraram o fato do Instituto Butantan ter desenvolvido uma nova fórmula de vacina contra a Covid-19. O deputado federal Sílvio Costa Filho (Republicanos) parabenizou os cientistas do Instituto. "O anúncio da vacina do Butantan, com produção 100% brasileira, é uma ótima notícia! Além de garantir 40 milhões de doses até o fim do ano, terá baixo preço e não dependerá de insumos importados para a sua produção".
Já o deputado federal e líder do PSB na Câmara, Danilo Cabral, utilizou o bordão "grande dia" utilizado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), para comemorar a notícia. A frase também foi utilizada pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Durante o desenvolvimento de vacinas pelo Butantan, Bolsonaro chegou a disparar diversas críticas ao Governo de São Paulo e chamar a Coronavac, fabricada pelo instituto, de "vacina do Doria". "Grande Dia! Viva a ciência brasileira. Parabéns ao Butantan", disse Cabral.
A vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos (PCdoB), celebrou o SUS e os cientistas brasileiros. "Boa notícia! O Butantan encerrou os testes iniciais da primeira vacina produzida 100% no Brasil e está pedindo autorização à Anvisa para começar os testes em voluntários. A inteligência nacional e o SUS trabalhando firme para salvar vidas", defendeu.
Polêmica
A Butanvac, candidata a vacina anunciada pelo Instituto Butantan como sendo o primeiro imunizante 100% nacional, foi desenvolvida nos Estados Unidos, na Escola de Medicina Icahn do Instituto Mount Sinai, segundo afirmou a instituição ao jornal Folha de S.Paulo.
A informação, dada pelo diretor e professor do departamento de microbiologia do instituto, Peter Palese, também consta em estudo publicado em dezembro de 2020 assinado por pesquisadores do Mount Sinai e da Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. "Realizamos com sucesso experimentos com nossa vacina baseada no vírus da doença de Newcastle (NVD, um tipo de gripe aviária).”
Por e-mail, o diretor escreveu que: "Sim, também temos um acordo com o Instituto Butantan para entrar em testes clínicos no Brasil usando nosso vetor de vacina NVD. Também estamos desenvolvendo vacinas para variantes da Covid-19 baseadas nas versões sul-africana e brasileira para o Instituto Butantan."
Procurado, o diretor do Butantan, Dimas Covas, afirmou que "o Butantan está fazendo o desenvolvimento integral da vacina a partir de parcerias e com um consórcio internacional". O Mount Sinai, explicou ele, teria sido procurado pelo Butantan para fornecer o vetor da vacina. Mas reafirmou que, no Brasil, o desenvolvedor da vacina é o Butantan.
Há pelo menos outras 16 vacinas contra a Covid-19 em fases pré-clínicas de estudo sendo desenvolvidas no Brasil. Um dos maiores entraves para que migrem para a fase de testes em humanos é o financiamento.