Bolsonaro estica a corda no momento mais crítico da pandemia

Reprodução/Vídeo

No pior momento da pandemia da Covid-19 no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) comemorou seu aniversário, ontem, com centenas de apoiadores aglomerados, que cantaram parabéns e cortaram um bolo para ele em frente ao Palácio da Alvorada. Em discurso, Bolsonaro afirmou que “tiranos” estão cerceando a liberdade das pessoas e voltou a dizer que elas podem contar com as Forças Armadas. Com o discurso, o chefe do Executivo volta a investir no embate com os governadores, que adotam medidas restritivas diante da ameaça de colapso no sistema de saúde pelo aumento do número de casos do coronavírus. "Alguns tiranetes ou tiranos tolhem a liberdade de muitos de vocês. Pode ter certeza, o nosso Exército é o verde oliva e é vocês também. Contem com as Forças Armadas", disse.

"Estão esticando a corda, faço qualquer coisa pelo meu povo. Esse qualquer coisa é o que está na nossa Constituição, nossa democracia e nosso direito de ir e vir".
O evento de aniversário reuniu centenas de militantes, muitos sem máscara, apesar da orientação do Gabinete de Segurança Institucional. O próprio presidente retirou a máscara ao discursar. Militantes se aglomeraram na fila para acessar a entrada do Palácio do Alvorada. Na ocasião, os militantes levaram um bolo para comemorar. Bolsonaro lavou as mãos no espelho d'água do palácio e limpou na calça para cortar e distribuir os pedaços do bolo para os apoiadores. 

Desde o início da pandemia, Bolsonaro é um declarado opositor das medidas de isolamento aplicadas por estados e municípios sob recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). "Não queremos que o Brasil mergulhe em um socialismo, e o caminho para mergulhar no socialismo é o que o povo vai para a miséria, a fome, o tudo ou nada."

As falas de Bolsonaro e a aglomeração promovida acontecem na semana em que o presidente vai se reunir com os comandantes do Congresso, governadores e prefeitos. Na próxima quarta, Bolsonaro vai liderar uma reunião com objetivo de evoluir para um comitê estratégico contra a Covid-19. Parlamentares consideram o encontro a "última chance" de Bolsonaro. Outras manifestações de apoio ao presidente também foram feitas no Rio de Janeiro e Brasília.

Colapso

Em contraste com o discurso de Bolsonaro, governadores seguem preocupados com a possibilidade de esgotamento do sistema de saúde com o avanço da Covid-19. Na última quinta, o Fórum de Governadores alertou o Planalto sobre o baixo estoque de medicamentos do  “kit intubação”, utilizado para intubar pacientes em tratamento contra a Covid-19 em UTIs e precisam de respiradores artificiais. Ao todo, 11 medicamentos do kit estão em falta ou com estoque para apenas 20 dias em 10 estados. No caso dos bloqueadores neuromusculares, 18 estados registram falta ou estoque baixo, que deve durar 20 dias.

Com a situação crítica, a estratégia dos governadores é preparar uma força-tarefa para acelerar a imunização nos municípios. Governos estaduais prometem pagar metade dos custos de logística de aplicação nos municípios. A ideia é que os estados ajudem as prefeituras em 50% dos gastos com contratação de equipes para postos de vacinação, combustível, divulgação, compra de equipamentos de proteção e outras necessidades no processo. A imunização em massa, contudo, é um processo de longo prazo e só terá resultados após meses.

Análise

A cientista política Priscila Lapa afirma que Bolsonaro tomou a decisão política de adotar uma posição de enfrentamento. Segundo ela, a postura é característica do presidente e da sua base política e também faz parte da própria estratégia do gestor que é de não querer dividir espaço com outros atores políticos, como é o caso dos governadores. A professora aponta que o chefe do Executivo não faz o discurso por acaso porque sabe que o conflito entre economia e saúde na pandemia é um tema caro e polêmico para a população. “Ele não fala no vazio, para ele mesmo. Ele está falando para pessoas que não têm a visão geral do quadro da pandemia. Ele encontrou um caminho de se diferenciar e colar toda a crise no colo dos governadores”, afirmou.

O cientista político Alex Ribeiro avalia que os governadores enfrentam um forte dilema entre economia e saúde pública e que Bolsonaro explora essa fragilidade politicamente. "Os governadores adotam o isolamento social e são criticados por parcela da sociedade. Mas, se não houvesse essa medida eles seriam julgados pelas mortes. Bolsonaro sabe desse dilema dos gestoress estaduais e utiliza a estratégia de rebater as ações dos governadores como cálculo político", afirmou. Além disso, o gestor aproveita para alimentar um discurso que agrada sua base de apoiadores.

“O presidente tem uma base eleitoral sólida composta, principalmente, por militares, evangélicos e grupos ideológicos da extrema-direita. É um nicho que abraça o discurso negacionista e sustenta a popularidade de Bolsonaro. O presidente então utiliza de métodos para agradar esse grupo e, por consequência, rebate as medidas tomadas pelos governadores. Ou seja, ele aposta no caos”.

Apesar de bem-sucedida com sua base de apoiadores, a retórica do enfrentamento pode acabar isolando o presidente com o avanço da pandemia. Ontem, um manifesto reuniu 500 economistas e banqueiros pedindo ao Governo medidas efetivas no combate à pandemia. “Falta a ele uma  visão de estadista e espírito de liderança. Minimizar essas diferenças políticas, reduzir suas crenças políticas para o âmbito pessoal dele e unir tecnicamente as decisões”, pondera Lapa.

Veja também

Incêndios florestais na Colômbia continuam fora de controle e devastam 9 mil hectares
Incêndios florestais

Incêndios florestais na Colômbia continuam fora de controle e devastam 9 mil hectares

Ordem de monges católicos canadenses é processada por supostas agressões sexuais
Monges católicos

Ordem de monges católicos canadenses é processada por supostas agressões sexuais

Newsletter