'Deus e o marketing amam os bravos', diz estrategista da comunicação Nizan Guanaes
Estratégia é ser você. Como um slogan daqueles que grudam na cabeça, esta é uma das reflexões que Nizan Guanaes, referência primordial no Brasil quando o assunto é comunicação, tem para dizer não só a empreendedores e profissionais que trabalham na gestão das marcas, mas à sociedade como um todo. O estrategista, hoje à frente da empresa de consultoria N Ideias, vem ao Recife para participar, na próxima quarta-feira (18), do Almoço de CEOs, um encontro com 250 líderes empresariais promovido pelo Experience Club Nordeste, no Estaleiro Ecomariner, no Pina.
Em entrevista à Folha de Pernambuco, o baiano de Salvador, que, em breve, deverá ser agraciado com o título de cidadão recifense em projeto de decreto legislativo em tramitação na Câmara Municipal, refletiu sobre a diversidade brasileira e toda a potência que ela carrega diante de um mundo, a cada instante, mais complexo e contraditório, que passa por transformações aceleradas. Falou sobre a importância do autoconhecimento em meio às mudanças sociais, políticas e econômicas e como isso pode ser explorado para conquistar as pessoas. Ainda mandou um recado direto aos pernambucanos:
“O desafio é se vender, botar para fora, se promover”.
Agenda no Recife
[O CEO do Experience Club Nordeste] André Farias promove esses eventos, e eu vou ser o palestrante, no dia 18, para boa parte do PIB do Recife, com os grandes empresários. E é um evento patrocinado pelo Itaú BBA, com o qual estou viajando, porque é um trabalho de aproximação dos grandes polos de desenvolvimento. E Recife é um deles.
Pernambuco e Nordeste
Recife tem que voltar a ser holandesa, ter essa visão de quem criou Nova York. A diferença de baiano para pernambucano é que a gente se vende e se elogia. Vocês não. E olha que vocês são de uma exuberância, em todas as gamas, de contribuição ao País. Só que nós, baianos, tentamos ser modestos, mas não encontramos argumento, entendeu? Então, se você me perguntar o desafio de Pernambuco, qual será? Se vender. Botar para fora, se promover. E olha as coisas que vocês têm. Vocês fundaram Nova York (risos). Manuel Bandeira, Cícero Dias, Clarice Lispector, Marcantônio Vilaça. Quando eu falo para Salvador, eu digo: não dá mais para ser regional. Não dá. O Nordeste tem que ser global. No dia em que o Brasil tiver uma estratégia, o cara vai falar assim: “Meu amigo, quais são os nossos polos de turismo?”. E vamos gerar dinheiro.
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Comunicação e estratégia
Eu era um publicitário e hoje sou um estrategista, que é para onde eu acho que aponta a indústria. Se você olhar na televisão ou no digital, tem que se perguntar qual é a estratégia daquele comercial. Quando os comerciais são todos iguais, isso significa que eles não têm estratégia, porque estratégia é ser diferente, é ser você. É construir uma coisa que é você. Essa é a diferença do oceano vermelho sangrento da competição do oceano azul, quando você tem um diferencial. A minha empresa, por exemplo, é do oceano azul, porque ela tem uma visão, modéstia à parte, inovadora da minha indústria. O meu papel é pensar na estratégia e trabalhar com as agências dos clientes, apontando o caminho onde eles devem desenvolver a parte criativa.
Marca e posicionamento
Todas as grandes empresas são aquelas seguidas pelo consumidor. A Nike, a Apple. Elas têm essa personalidade. Elas atraem. A moda é danada para fazer isso. A moda está se tornando mais sustentável, está fazendo releituras, mas é o consumidor que a segue. Marca é igual a jornal: tem que ter política editorial. Ela tem que ter um posicionamento claro. “Eu sou isso”. Se uma marca não tem sentido de existir, vai morrer. Sabe qual é a bandeira da Patagônia (empresa americana de produtos sustentáveis)? “Não compre”. “Se você tem uma jaqueta, não compre duas”. Isso é divino! É um posicionamento maravilhoso. Deus e o marketing amam os bravos. Não dá para ser morno no mundo de hoje. Quando você olha a Magalu, você vê que ela tem alma. Não existe a Natura minha, sua ou dele; só existe uma.
A comunicação, seja na política ou no que quiser, é construir a personalidade a partir de uma verdade.
Consistência
Minha posição é: encontre seu veio e se posicione, se mantenha firme ali. Porque senão você vira nada. Para mim, o maior exemplo é Apple e Samsung. Do ponto de vista objetivo, talvez os smartphones sejam melhores. Mas o que eles não têm? Alma. Você só vê a Samsung falando de aplicativo, mas qual é a empresa que vale US$ 2,5 trilhões? A Apple. De um cara que dizia: “Eu não vou botar isso no celular”. E isso é jornalismo. Eu defendo que o CEO é o editor-chefe da marca. Eu escrevo para Luiza Trajano (do Magazine Luiza), e ela muda tudo. Graças a Deus. Porque é ela. Eu acho lindo isso. E acho genial. Meus clientes são irredutíveis e é por isso que eles são meus clientes.
Nizan Guanaes: "Gosto de devorar livros" (Foto: Marcelo Navarro)
Rotina e disciplina
Acordo às 6h e faço duas horas de treino para maratona. Quando chegam as 9h, eu estou no escritório, que tem 57 metros quadrados e é superconcentrado, sou eu e minha assistente. Eu trabalho em silêncio absoluto. Faço tudo à mão, não uso computador. Eu trabalho focado e, ao meio-dia, faço meditação. Parece que eu tomei um banho, chego renovado e trabalho focado até, mais ou menos, as 19h. Daí em diante, eu vou estudar ou vou ter a vida comunitária, já que faço muitos trabalhos na área de responsabilidade social, saio com a minha família. Na quarta-feira, estudo xadrez. Às 21h, vou ao meu quarto, leio. A quantidade de livro no pé da cama é uma brutalidade. E eu gosto de devorar livros, desde os clássicos às coisas mais frívolas. Às 21h30, vou dormir.
Transformação
Meus amigos me chamam de fênix. Eu tinha 150 quilos, hoje corro maratona. Eu fazia coisas imensas, hoje eu tenho uma enorme empresa pequena. A gente vai ter que se transformar. A minha conversa é essa: a estratégia de se transformar, compreender o tempo. O papel do empresário é ficar olhando a biruta do tempo. Na minha “encarnação” anterior, se o cara falava: “Tô com dor de dente”, eu dizia: “Publicidade”. Era uma coisa só, porque fazia sentido no passado, quando as coisas eram binárias. Hoje, o consumidor e as marcas estão de frente a esses buffets de churrascaria. É tanto prato… E qual é a estratégia? Escolher o seu, o que cabe para você. Comunicação 360 graus… Acho isso um papo furado. Algumas comunicações têm que ser 12; outras, 50; e algumas, nenhum. Sempre falei no passado, hoje até mudou, que o silêncio do [Banco] Safra é marketing. Acho que o sucesso da N Ideias e dessa nova proposta do estrategista tem surpreendido os meus clientes. Muitos me procuravam para uma campanha, um anúncio. E eu tenho mostrado para eles que tem horas que é relações-públicas, tem horas que é um evento, tem horas que é um comercial, tem que horas que é uma política de patrocínio.
Os compartimentos não são moradas da inteligência. Eu abro minha palestra com um poema do pernambucano Manuel Bandeira: “A vida inteira que podia ter sido e que não foi”. É isso que a gente não pode deixar ser.
Ano eleitoral
Vamos analisar isso não do ponto de vista político, mas da comunicação. Primeiro que polarização existe no mundo. Os EUA estão assim, a França também. Ela vem da desigualdade, que proporciona uma discussão visceral sobre a política. Nas redes sociais, os excluídos assistem à festa da qual não participam. E isso é dramático. Não tem mais vida privada, praticamente. E elas editam as opiniões a partir dos algoritmos, então o sujeito que tem ódio vai ser alimentado com ódio. Se ele tem preconceitos, ele vai encontrar fundamentos para o preconceito. E, no sentido da construção das narrativas, esta campanha já é muito interessante de ver. O horário eleitoral já começou. Os exércitos já estão nas redes. Não vem com candidato musiquinha de elevador, que não dá. Você vê isso no almoço, no WhatsApp. É paixão. Não adianta discutir racionalmente. Por isso que eu evito. O que eu posso dizer é que, do ponto de vista da comunicação, a gente vai ter uma eleição surpreendente. E este ano vamos ter duas Copas. A do Catar e a de Brasília.