Entre fronteiras: os desafios da gestão metropolitana dos bairros limítrofes da RMR
Prefeituras da Região Metropolitana buscam soluções para problemas que ultrapassam os limites dos municípios da área
Em maio de 2022, a população da área de Jardim Monte Verde, oficialmente localizado no município de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife (RMR), enfrentou um impasse emblemático. Após fortes chuvas devastarem a região, as cerca de 8 mil pessoas afetadas pela tragédia não sabiam a quem recorrer.
Isso porque, embora oficialmente delimitado como parte do território de Jaboatão, Monte Verde faz fronteira com Recife e, por isso, a vida no bairro sempre existiu na ambiguidade da divisa entre as duas cidades.
Jardim Monte Verde escancarou as dificuldades que envolvem as articulações políticas de gestão pública nos bairros limítrofes, um antigo problema da RMR.
Agora, o debate da gestão metropolitana entra em pauta mais uma vez com a possível reativação do Conselho Metropolitano do Recife (CONDERM).
O assunto faz parte de uma recente articulação entre a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), a prefeita de Olinda, Mirella Almeida (PSD), e o prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Mano Medeiros (PL), que planejam vincular uma agenda conjunta entre os municípios da região.
Recife
Dentro desse cenário, Recife é peça chave de articulação, de acordo com o secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento da cidade, Felipe Matos, o objetivo da gestão é "pacificar a discussão com os municípios para que todas as prefeituras entendam e concordem com os limites dos serviços a serem prestados".
Felipe reconhece que um dos grandes desafios enfrentados na capital diz respeito aos atendimentos de serviços sociais e zeladoria urbana.
"Muitas vezes, o gari do Recife atua até um determinado ponto, que é o limite definido pela Secretaria de Limpeza Urbana, esperando que o gari do município vizinho complete o serviço. Mas isso nem sempre acontece. Assim, o gari do Recife para em um ponto, enquanto o gari do município vizinho entende que aquela rua não é de sua responsabilidade, deixando a área sem serviço", explicou o impasse.
Para o secretário, o acordo de delimitação definido entre os municípios é apenas o primeiro passo em um projeto maior, que deverá integrar outras secretarias e um forte projeto de monitoramento para garantir a oferta justa dos serviços públicos às populações que vivem nas áreas limítrofes, "evitando que as pessoas fiquem em uma zona cinzenta sem atendimento".
"É essencial monitorar e garantir que as prefeituras desdobrem essa definição para as secretarias que executam os serviços na ponta. Não adianta os gabinetes firmarem um acordo de limites, se as secretarias responsáveis pela limpeza, por exemplo, não forem informadas", ressaltou.
Na articulação metropolitana, Recife pretende traçar rotas simples, com a resolução dos problemas urgentes e cotidianos.
"O foco é discutir algo que considero mais urgente: o acesso ao serviço público. Hoje, muitas pessoas ainda não têm acesso a esses serviços, e esperamos resolver essa questão em um prazo mais curto, mantendo o canal ativo para tratarmos de intervenções de maior porte futuramente", explicou.
Jaboatão
Para o prefeito Mano Medeiros, a questão da gestão metropolitana deve ultrapassar os entraves políticos partidários e ser tratada de forma institucional, em um debate harmônico que envolva todos os gestores.
"A questão aqui não é política, mas sim discutir de forma institucional a delimitação dos municípios, deixando de lado as diferenças", esclareceu.
"Nosso município faz divisa com cidades como Recife, Cabo, São Lourenço e Moreno, o que traz dificuldades específicas nas áreas limítrofes, como a delimitação territorial e a definição de responsabilidades municipais. Não podemos tratar esse problema isoladamente em cada município, porque as soluções impactam os demais. É necessária uma abordagem metropolitana, com recursos e ações integradas", destacou.
O prefeito indicou a engorda do mar em Jaboatão como uma das ações prioritárias em uma possível articulação intermunicipal entre as cidades que dividem a faixa litorânea.
"Não podemos tratar esse problema isoladamente em cada município, porque as soluções impactam os demais. É necessária uma abordagem metropolitana, com recursos e ações integradas".
Segundo ele, projetos com esse nível de estrutura demandam altos investimentos e uma colaboração entre os municípios envolvidos, que precisam pensar em um plano conjunto para evitar o avanço do mar.
"Em Jaboatão, o custo estimado para essa obra é de cerca de R$ 80 milhões, sendo que grande parte desse valor se refere à contratação de dragas especializadas, que precisam ser trazidas de outros países. Por isso, defendemos que essas ações sejam realizadas de forma integrada. Trabalhando juntos, reduzimos os custos e otimizamos os recursos disponíveis", explicou.
Olinda
Segundo Mirella, a governadora Raquel Lyra tem sido uma peça chave no debate das questões metropolitanas, firmando compromisso pela volta do CONDERM.
“Ela (Raquel) está muito feliz que estamos puxando essa pauta. Ela falou da importância, vai reativar o Conselho e vamos ter voz ativa para poder discutir pautas tão importantes como mobilidade, trânsito no geral, serviços de infraestrutura, saúde e educação”, afirmou a prefeita.
Na gestão olindense, Mirella Almeida destacou a importância do Conselho para orientar a população sobre os locais adequados para buscar atendimento social, além de garantir a regulamentação dos serviços públicos de coleta de lixo e saneamento.
"Questões como a oferta de vagas em escolas e creches, o recolhimento de lixo e outros aspectos do cotidiano das pessoas precisam ser tratadas de forma prática. Essas parcerias são fundamentais para que possamos dividir responsabilidades de maneira integrada e, assim, entregar resultados efetivos para a população", apontou.
Para a gestora, o repasse coordenado dos recursos do Estado aos municípios será uma das ações prioritárias de debate no CONDERM.
"A vida se desenvolve nos municípios e é crucial para nós sermos parceiros nesse processo. Reconhecemos a demanda por recursos, especialmente em municípios como Olinda, que dependem de repasses. Ao reativar este conselho e estabelecer um grupo de trabalho, buscamos institucionalizar e sistematizar essas questões", comentou.
Embora não haja reuniões há anos, o CONDERM é um órgão deliberativo e consultivo vinculado à Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (CONDEPE/FIDEM), que está subordinada à Secretaria de Planejamento, Gestão e Desenvolvimento Regional (SEPLAG-PE).
O conselho é composto pelos prefeitos dos 14 municípios da Região Metropolitana e por representantes do Governo do Estado. Também integram o CONDERM, na função de membros consultivos, representantes do Poder Legislativo municipal e estadual.
"O objetivo é unir esforços e buscar apoio para entender que essa questão vai além de divergências político-partidárias. Trata-se de pessoas, de cidadãos que acreditam que faremos algo por eles — e temos que fazer", afirmou a prefeita de Olinda.
Em agenda realizada durante a semana, a governadora Raquel Lyra (PSDB) defendeu a integração dos municípios em debate sobre a gestão metropolitana e confirmou a intenção de reativar o CONDERM.
"O que a gente acredita muito é na capacidade do diálogo e da união. Ninguém é capaz de resolver os problemas sozinhos. Quanto mais junto a gente trabalha, mais entrega para a população a gente faz”, avaliou.
Solução eficiente
Para a economista da Ceplan Consultoria Tânia Bacelar, o planejamento urbano em escala metropolitana, já experimentado em Pernambuco no passado, pode ser retomado como uma solução eficiente.
“Precisamos recuperar, com novos parâmetros, o planejamento urbano em escala metropolitana. Além disso, o compartilhamento de responsabilidades, especialmente em áreas de interesse comum, como saúde e assistência social, é uma alternativa eficaz. A experiência brasileira com consórcios públicos ainda é recente, mas já apresenta resultados bastante positivos", destacou.
Além da reativação do CONDERM, outras resoluções já foram propostas para lidar com os desafios da gestão metropolitana.
Entre elas, o Projeto de Lei Complementar nº 1739/2017, proposto pelo Poder Executivo do Estado de Pernambuco, durante a gestão do então governador Paulo Câmara (PSB).
A tratativa fez parte de um esforço que previa instrumentos de cooperação entre os municípios e o estado, com foco na integração das políticas públicas em áreas como mobilidade, saneamento básico e gestão ambiental.
Apesar de sua importância, a aplicação prática dessa legislação ainda enfrenta entraves políticos e administrativos, o que reforça a necessidade de mecanismos como o CONDERM para garantir avanços efetivos.
De 2023 a 2024, o então deputado José Patriota, líder municipalista e presidente da Comissão de Assuntos Federativos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE), conseguiu articular consensos a respeito da delimitação de regiões limítrofes entre quase 30 municípios, envolvendo cerca de 50 cidades em conflito, além de instituições como o IBGE e a Agência Estadual CONDEPE-FIDEM.
Os principais motivos identificados incluem erros de medições topográficas, como a divisão desigual de recursos hídricos, e disputas por terrenos estratégicos, como os de gesso na região do Araripe.
Apesar dos acordos assinados pelos prefeitos, muitos processos permanecem não oficializados. A iniciativa, no entanto, não atingiu a Região Metropolitana do Recife devido ao falecimento do deputado, que não chegou a concluir as negociações.