Humberto Costa fecha metade do mandato na Câmara Alta
Em entrevista à Folha, o senador petista avalia cenários políticos local e nacional e o impacto dos atos golpistas na agenda do Governo
O senador Humberto Costa (PT) considera que os atos golpistas têm atrapalhado um pouco o Governo Federal, mas que, mesmo assim, em um mês houve avanços e tomadas importantes de decisão. No cenário estadual, o petista avalia que a governadora Raquel Lyra (PSDB) começou os trabalhos de forma improvisada. Afirma que o Governo está olhando muito para trás e apontando poucas coisas para frente e observa uma "visão preconceituosa" da gestora em relação à boa política. "É preciso ter um diálogo permanente com o setor político. Isso não tem acontecido". Ex-candidato a governador de Pernambuco em 2006 e a prefeito do Recife em 2012, Humberto conseguiu eleger-se para o Senado em 2010, foi reeleito em 2018 e planeja disputar novamente as eleições em 2026. "Não descartei o Executivo da minha vida, mas a minha perspectiva hoje é a de disputar o Senado", projeta.
ATOS GOLPISTAS
"Isso foi uma das coisas que atrapalharam um pouco o Governo Federal. Mas o Governo começou bem. No espaço de 30 dias já tomou muitas decisões importantes, cumpriu muitos compromissos de campanha, como o Bolsa Família com R$ 600 (em março vamos ter o complemento de R$ 150 por crianças até 3 anos). Tivemos o aumento do salário mínimo acima da inflação, embora tenha sido mínimo neste momento. O Governo está criando uma comissão para discutir uma proposta de política definitiva para o salário mínimo. Se não houver nada significativo até lá, no ano que vem haverá um aumento mais substancial. Procurou promover um início de remontagem das políticas públicas, envolvendo comunidades quilombolas, povos indígenas, diante da denúncia grave sobre a situação dos Yanomami. E vem o processo de reestruturação do Estado para tocar o programa de Governo. Os atos golpistas sugaram esforços do Governo Federal que eram para estar sendo implementados em outras coisas. Mas o Governo foi bem no enfrentamento a isso, na defesa do Estado democrático de direito, na defesa da democracia, da Constituição, um problema com o qual o Governo lidou muito bem. Se realmente o espírito que está prevalecendo na investigação for até o fim, acho que vamos conseguir condenar muita gente, e isso vai ser um desestímulo a esse tipo de coisa, que parece ser uma política que a extrema direita quer implementar no país: a da desestabilização".
PAUTA TRAVADA
"Questões relativas à política econômica, à política social. Essa questão do salário mínimo, da reforma tributária. A gente tem duas propostas de reforma tributária já com movimentações avançadas na Câmara e no Senado. O Governo poderia estar se debruçando sobre elas, avançando neste debate. A discussão sobre a âncora fiscal, que o próprio Governo está querendo antecipar. Os atos golpistas terminaram desviando a atenção da sociedade, do Governo, para poder focar no que era a ameaça maior. Mas estamos voltando a uma normalidade no País."
A vitória de Rodrigo Pacheco (reeleito para presidir o Senado Federal) tem um simbolismo importante, o de que o Senado se posicionou em defesa da democracia.
VITÓRIA DE PACHECO
"A vitória de Rodrigo Pacheco para presidente do Senado ajuda a dar um freio nessa agenda (de atos golpistas). Pacheco demorou um pouco para se posicionar. Mas do ano passado pra cá a postura dele tem sido muito firme em defesa da Constituição, em defesa da autonomia do Congresso Nacional, da harmonia entre os poderes, do apoio ao Poder Judiciário. A vitória dele tem um simbolismo importante, o de que o Senado se posicionou em defesa da democracia. Sobre o candidato da extrema-direita, Rogério Marinho, não tínhamos clareza do que seria a gestão dele, mas certamente atuaria para tensionar ainda mais a situação do país, os conflitos, e coisas que deixaram escapar de que ele promoveria o impeachment do presidente do Supremo (Tribunal Federal). Seria um ambiente muito negativo e totalmente contrário ao que a população quer hoje, quer tranquilidade, quer paz, quer condição de poder trabalhar e viver."
DIFERENÇA
"Outro dado importante é que a votação de Pacheco (ele teve 49 dos 81 votos) não representa o potencial do tamanho da base de sustentação do Governo. Naquele meio dos 32, vários senadores votaram com Rogério Marinho para se posicionar contra alguns aspectos internos da governança no Senado. Mas eu acho que a base (do Governo) pode ser maior. Dá para chegar a 53, quem sabe a 55, com possibilidade de negociarmos pontualmente algumas coisas quando elas forem votadas. Acredito que foi um bom resultado para o país, para o Governo, para o Senado."
Já tenho experiência no parlamento, só no Senado são 12 anos. Meu perfil é mais de enfrentamento, mas também trabalho articulando, criando consensos. Nesse momento estamos precisando dessas duas coisas.
PAPEL NO SENADO
"Temos plena condição de implementar o programa de Governo formulado na eleição, que teve uma agregação de ideias e propostas na transição. Há uma decisão política do presidente em fazer. Ele tem sido muito firme em criar as condições para que isso aconteça. E cada um tem um papel. O Executivo elabora as propostas. E o Congresso Nacional precisa dar sustentação a essas propostas. Essa articulação entre Governo e Congresso Nacional está indo bem. E eu, modestamente, vou dar a minha contribuição. Já tenho experiência no parlamento, só no Senado são 12 anos. Meu perfil é mais de enfrentamento, mas também trabalho articulando, criando consensos. Nesse momento estamos precisando dessas duas coisas. Ainda não sei exatamente qual será meu papel na estrutura do Senado. Estamos decidindo comissões e outros espaços, mas estou perfeitamente sintonizado com a articulação política."
RELAÇÃO COM RAQUEL
"O presidente Lula sempre caracterizou-se nos Governos, assim como Dilma, por tratar de maneira equânime todos os governadores, todos os prefeitos. A relação do Governo Federal com o Governo estadual tende a ser a melhor possível. A governadora atendeu a demanda do presidente de que cada Estado apresentasse três projetos prioritários. Com certeza, ele vai dar a Pernambuco uma atenção especial, até porque é o Estado onde ele nasceu. Essa relação tem tudo para dar certo. Depende mais do Governo de Pernambuco do que do Governo Federal. Como apoiador do Governo Federal também estou aberto a contribuir com o esforço de melhorar o nosso Estado. Foi assim com Jarbas, com Eduardo, com Paulo Câmara."
Ainda não está claro qual é o perfil que esse Governo (de Raquel Lyra) vai ter. O tamanho e a forma como a gente vai trabalhar essa composição dependem de um posicionamento mais claro.
POSIÇÃO DO PT
"O povo de Pernambuco colocou o PT no campo da oposição. Fomos derrotados no primeiro turno com Danilo (Cabral) e fomos derrotados no segundo turno, quando apoiamos a candidatura de Marília (Arraes). É natural que nosso campo seja o campo da oposição. Agora, é um Governo que está começando, tem muitas indefinições em termos de posicionamentos políticos. Precisamos de um tempo para analisar melhor. Ainda não está claro qual é o perfil que esse Governo (de Raquel Lyra) vai ter. O tamanho e a forma como a gente vai trabalhar essa composição dependem de um posicionamento mais claro."
ATUAÇÃO FUTURA
"Estamos dando uma trégua inicial para ver como as coisas caminham. Oposição nós seremos. Mas qual o nível e a forma que essa oposição vai tomar é o que vamos ver. Estamos dando um voto de confiança para que o Governo possa se sair bem. O início, na minha opinião, não foi bom. Muito marcado pela improvisação. Aquele decreto inicial gerou muito mais problemas do que soluções. Tanto que ainda hoje temos problemas na prestação de alguns serviços. Isso marcou um início um tanto conturbado. Acho que o Governo está olhando muito para trás e apontando poucas coisas para frente. A eleição já passou. Vai agora ficar prorrogando essa polarização com o PSB, com Paulo Câmara? As pessoas querem saber o que vai ser feito para Pernambuco, quais são os projetos prioritários. Ela precisa dizer como vai combater a fome, como vai garantir mais água, como garantir o fim da violência. Quais as propostas?"
Eu receio que esse preconceito com a política, essa recusa a dialogar em cima da boa política, seja ruim. Nós tivemos nesses últimos anos - especialmente com a Lava jato - uma demonização da política no Brasil. O resultado está aí.
VISÃO PRECONCEITUOSA
"Outro problema que eu vejo é uma visão preconceituosa (do Governo de Raquel Lyra) em relação à boa política. Para que você possa construir uma sustentação política e ao mesmo tempo fazer avançar as suas proposições, você precisa ter um diálogo permanente com o setor político. Não tem acontecido. E me lembra um pouco do Governo de Joaquim Francisco (1991 a 1995). Ele se elegeu com uma votação importante, no primeiro turno, procurou fazer um Governo em que as forças políticas que o apoiaram não seriam o essencial. No final, não tinha sustentação política. Tanto que não conseguiu nem sair candidato majoritário. Teve que terminar o Governo e não disputou a eleição para o Senado porque não se elegeria. Foi muito marcado por isso. O mesmo discurso de Collor. Eu receio que esse preconceito com a política, essa recusa a dialogar em cima da boa política, seja ruim. Nós tivemos nesses últimos anos - especialmente com a Lava jato - uma demonização da política no Brasil. O resultado está aí. No Estado, até hoje, a gente não sabe quem é a base de sustentação dela (da governadora) na Assembleia Legislativa. A não sabe quais são os partidos que participam do Governo. Isso é da política. Não necessariamente estariam esperando um mimo. Todo mundo tem que ter um posicionamento. É um problema isso."
JOÃO CAMPOS
"No ano passado tivemos uma recomposição política com o PSB. A eleição de 2020 foi muito traumática. No nosso caso, tivemos o apoio do PSB na eleição de Lula, isso foi muito importante para que a gente ganhasse a eleição, para que a gente pudesse contar com Alckmin na vice, crucial para nossa vitória. O PSB tem hoje um espaço privilegiado no Governo, três ministérios. A possibilidade de uma aproximação política com o partido aqui no Estado e até mesmo uma discussão em relação à prefeitura é compreensível. Só que eu acho que essa unidade (com o PSB) tem que extrapolar a discussão sobre o Recife."
A ideia é reconstruir a partir de agora. Discutir depois que o cenário já estiver colocado é mais difícil. Queremos, sim, aproveitar essa força, essa popularidade de Lula para fazer o partido crescer.
PT E AS PREFEITURAS
"Primeiro vamos trabalhar para manter aquelas prefeituras que nós governamos hoje. Vamos dar prioridade a algumas regiões, como a Metropolitana, onde o PT já teve força política, candidaturas fortes em Paulista, Olinda, em Jaboatão, Recife em três mandatos. Temos algumas prefeituras com papel regional importante, como a de Serra Talhada. A prefeita (Márcia Conrado) é uma liderança bastante significativa. Vamos priorizar a RMR para o PT se refundar. A ideia é reconstruir a partir de agora. Discutir depois que o cenário já estiver colocado é mais difícil. Queremos, sim, aproveitar essa força, essa popularidade de Lula para fazer o partido crescer."
JOÃO PAULO CANDIDATO
"João Paulo é um político que tem uma presença importante na cidade, no Estado. Nessa eleição agora ele teve uma votação muito significativa. Em qualquer sondagem, é um candidato forte. Mas o que vai reger nosso posicionamento é a política local, a política nacional. É uma coisa boa porque significa que o partido tem alternativas. E até mais que uma para uma eventual disputa no Recife. Mas vamos ter que fazer uma discussão aprofundada porque há implicações nacionais, estaduais. O PT não pode disputar eleições para meramente marcar uma posição. Ao que tudo indica, vamos ter uma pulverização de candidaturas. A extrema-direita vai ter candidato, a direita um pouco mais civilizada vai ter candidato, o centro vai ter. João (Campos, prefeito do Recife) é um candidato com esse perfil de centro-esquerda, o PSOL também tem nomes fortes."
Não nego que vontade eu tenho de ir para o Executivo. Não acho que seja um projeto eliminado, mas a minha ideia hoje é a de disputar o Senado.
O EXECUTIVO
"Não descartei o Executivo da minha vida. Certamente se tivesse disputado agora, eu teria uma boa perspectiva. As pesquisas mostravam isso. Mas passou. Não quer dizer que eu não possa participar de uma disputa. Hoje a minha decisão é disputar a eleição 2026, muito provavelmente para o Senado. Mas todas as alternativas precisam ser discutidas. Não nego que vontade eu tenho de ir para o Executivo. Não acho que seja um projeto eliminado, mas a minha ideia hoje é a de disputar o Senado. Como senador, acho que tenho feito um trabalho importante. Não somente na oposição a Bolsonaro e na questão do nosso enfrentamento na CPI da Covid, mas também nos projetos e nas propostas que eu trouxe para Pernambuco, os recursos que tive oportunidade de trazer no Governo Dilma e mesmo depois, na oposição. Sinto ter uma retaguarda no meu trabalho no Senado para pensar na possibilidade de uma nova eleição como senador."