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Parentes de perseguidos políticos cobram reparação do Estado brasileiro

Requerimento busca o reconhecimento dos impactos da violência durante a ditadura militar

Presidente da Comissão de Anistia, Ana Maria Lima de Oliveira (no centro), recebe o coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, em Brasília.Presidente da Comissão de Anistia, Ana Maria Lima de Oliveira (no centro), recebe o coletivo Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, em Brasília. - Foto: José Cruz/Agência Bras

O Coletivo Filhos(as) e Netos(as) por Memória, Verdade e Justiça entregou à Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, na quarta-feira (26), um pedido de anistia coletiva para filhos, netos, sobrinhos e enteados de perseguidos políticos da ditadura militar (1964-1985).

O documento, elaborado durante um ano e meio, reúne pouco mais de 20 depoimentos que evidenciam os impactos da perseguição sobre os descendentes: separação forçada de familiares, trauma psicológico, perda de direitos civis, vigilância contínua e dificuldades de reinserção social e profissional.

 

 

"Tem muito mais gente envolvida, mas para muitas pessoas é difícil recuperar ou relatar dados. Não apenas pela dor que ainda carregam, mas principalmente por desconhecimento. Na ditadura predominavam o silenciamento e a clandestindade", atesta Marta Nhering, uma das integrantes do coletivo .

Marta Nhering e outras duas parentes de perseguidos políticos - Camila Bianchi e Kenia Maia -  foram as responsáveis por organizar os depoimentos, encaminhados à Comissão de Anistia. O documento continua aberto a novos relatos.

Sobrinha da pernambucana Ranúsia Alves Rodrigues, assassinada em outubro de 1973, no Rio de Janeiro, Rose Michele Araújo Rodrigues é uma das pessoas que fizeram um relato completo de como toda a família foi afetada direta e indiretamente. Não há pedido dinheiro.

"O pedido é mais uma tentativa para que o Estado reconheça o que ocorreu. Claro que desculpas não vão trazer ninguém de volta, nem desfazer os danos ocorridos, mas é pelo menos um tipo de reparação", avalia Michele.

Ainda estou aqui
Ela aposta na repercussão internacional do filme "Ainda estou aqui", para que o Estado brasileiro agilize a decisão. "Temos que fazer isso este ano, porque ano que vem é de eleições e tudo fora dessa pauta é mais lento", prevê.  

A iniciativa é inédita na América Latina e se fundamenta no reconhecimento jurídico e histórico de que os efeitos da violência estatal atravessaram gerações.

"O exílio, a clandestinidade, as prisões arbitrárias e as execuções não cessaram nos corpos das vítimas diretas: seus filhos e netos também carregam as marcas dessa repressão", atesta Marta Nhering.

Medidas
Além do reconhecimento oficial, o documento propõe um conjunto de medidas reparatórias que incluem acesso facilitado a serviços de saúde mental, revisão de registros e políticas de memória.

A mobilização teve apoio do defensor público federal e coordenador do Observatório Nacional sobre o Direito à Memória, à Verdade e à Justiça de Transição da Defensoria Pública da União, Bruno Arruda.

Legislação
A anistia coletiva solicitada se baseia no artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, na Lei nº 10.559/2002 e na Portaria nº 177/2023.

A legislação prevê a possibilidade de anistia a grupos atingidos por atos de exceção de motivação política. O pedido reforça que o Estado brasileiro tem um compromisso constitucional e internacional de reparação integral às vítimas de graves violações de direitos humanos.

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