Polêmica do Pix: veja as narrativas da direita e da esquerda em relação à fiscalização da receita
Medida que exige reporte de transações acima de R$ 5 mil divide opiniões no setor político
A recente ampliação da fiscalização pela Receita Federal sobre transações financeiras realizadas via Pix e cartão de crédito acima de R$ 5 mil mensais por pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas gerou intenso debate. Enquanto o Governo Federal nega a criação de novos impostos ou taxação adicional, as medidas têm sido alvos de críticas e interpretações distintas por parte da população. O debate público incentivou também a agenda de diferentes setores políticos, provocando embates ideológicos entre esquerda e direita.
Mudança
Desde 1º de janeiro deste ano, operadoras de cartões de crédito e instituições de pagamento passaram a ser obrigadas a informar à Receita Federal as transações financeiras que ultrapassarem R$ 5 mil mensais para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas. Essa obrigação, anteriormente limitada aos bancos tradicionais, foi estendida a bancos digitais e outras plataformas financeiras. O objetivo é garantir que os rendimentos movimentados estejam de acordo com as declarações de imposto de renda, reforçando o combate à sonegação fiscal.
Segundo a própria Receita Federal, a mudança não gera aumento na carga tributária nem criação de novos impostos. Assim, a ampliação do monitoramento das movimentações financeiras não vai resultar na cobrança de taxas ou aumento da carga tributária.
De acordo com o órgão, a nova norma “não implicou qualquer aumento de tributação, tratando-se de medida que visa a um melhor gerenciamento de riscos pela administração tributária”.
Repercussão
Com a divulgação da medida, a resposta dos setores políticos alinhados à direita foi rápida. Para grande parte dos políticos que representam oposição ao Governo Federal, a nova medida vai “sufocar ainda mais quem trabalha e produz e deve atingir, sobretudo, o [empresário] pequeno”, destacou o deputado federal, Mendonça Filho (União), em um vídeo publicado em suas redes sociais.
A narrativa criada pelo grupo gira em torno da preocupação com a perda de privacidade e o aumento do controle estatal sobre as finanças individuais. Em vídeo publicado nas redes sociais, o senador Flávio Bolsonaro (PL) declarou opiniões semelhantes às do deputado Mendonça Filho. “O decreto tem um só alvo: o trabalhador informal será perseguido pelo Fisco para pagar com multa e juros, o imposto de renda que não declarar", destacou o senador.
Em resposta à articulação da direita opositora, o Presidente Lula (PT) e outras vozes alinhadas à esquerda iniciaram um movimento de combate às informações falsas a respeito da nova medida.
Por meio de suas redes oficiais, Lula publicou um vídeo realizando uma doação por meio do Pix para o seu time do coração, o Corinthians. Na publicação, ele escreveu: “Compartilhe a verdade. O governo não vai taxar as transações via PIX. Não caia em golpes”.
Nomes como o deputado federal, Pedro Campos (PSB); a ex-deputada federal, Marília Arraes (Solidariedade); e a vereadora do Recife, Kari Santos (PT) também utilizaram suas plataformas online para rebater as informações falsas e tendenciosas divulgadas pelo grupo opositor.
“Com coragem, enfrentarei a máquina do ódio e vou apontar as verdades que incomodam os extremistas”, destacou a vereadora em publicação compartilhada no seu perfil oficial.
Para o cientista político Elton Gomes, a comunicação do governo tem sido um ponto fraco. “Há também um embate de narrativas: o governo defende essas medidas como necessárias para controle e arrecadação, enquanto a oposição explora o descontentamento popular, ampliando o receio sobre novas imposições fiscais.” Ele complementa que a ausência de explicações aprofundadas abre espaço para interpretações equivocadas. “A direita aproveitou o fato de que a medida foi adotada sem amplo debate ou comunicação clara, sendo imposta via decreto do Executivo. A ausência de explicações aprofundadas sobre a intenção de fortalecer os controles fiscais abriu espaço para interpretações que associam o governo à restrição de três valores fundamentais para o eleitorado, especialmente o de classe média: liberdade, renda e privacidade".
O cenário político brasileiro, segundo Gomes, reflete “uma dinâmica marcada pelo que chamamos na Ciência Política de ‘dogmatismo negativo’ — ou seja, o foco em desconstruir a imagem do adversário para mobilizar bases eleitorais, em vez de propor alternativas concretas, seja por parte do governo ou da oposição.”
Regras
O recebimento de um Pix acima de R$ 5 mil ou o acúmulo mensal desse valor não gera automaticamente impostos ou penalidades. Apenas contribuintes com rendimentos tributáveis anuais superiores ao teto estipulado pela Receita precisam declarar o imposto de renda, cujo limite em 2024 é de R$ 28.559,70 anuais. A Receita, no entanto, pode incluir informações das transações financeiras em declarações pré-preenchidas, facilitando a conformidade fiscal e reduzindo divergências.
Quanto à cobrança no uso do Pix, as pessoas físicas não pagam tarifas na maioria das situações, conforme regras do Banco Central, exceto em casos específicos, como transferências feitas presencialmente ou via telefone, ou ao receber Pix com características comerciais. Microempreendedores Individuais (MEIs) também estão isentos de tarifas na maioria dos casos, seguindo as mesmas condições aplicadas às pessoas físicas. A fiscalização sobre movimentações financeiras visa, sobretudo, combater a informalidade e a sonegação, sem interferir nos benefícios da tecnologia de pagamento.
Quanto ao monitoramento, as informações sobre transações financeiras realizadas via Pix acima de R$ 5 mil para pessoas físicas, ou R$ 15 mil para empresas, são reportadas à Receita Federal pelas instituições financeiras, mas não em tempo real. Essas informações são enviadas semestralmente, com os dados do primeiro semestre sendo apresentados até agosto e os do segundo até fevereiro do ano seguinte. Esse sistema de monitoramento não implica em taxação automática, mas permite que a Receita cruze dados para identificar inconsistências em declarações de imposto de renda.