Secretário de Habitação do Recife, filiado ao PT, critica defensores da privatização da Compesa
Segundo ele, os apoiadores da ideia fazem uso de uma "argumentação rasa"
O secretário de Habitação do Recife, Ermes Costa, criticou, nesta sexta-feira (14), os defensores da privatização da Companhia Pernambucana de Saneamento. Para o secretário, que é filiado ao PT, os defensores da “ideia estapafúrdia” demonstram “subserviência” ao setor privado.
“Aos que defendem a privatização da COMPESA, certamente falta o devido conhecimento sobre o papel da companhia. É deprimente constatar o quanto os defensores desta ideia estapafúrdia fazem uso de uma argumentação rasa, dando notórias demonstrações de subserviência ao setor privado”
Segundo o secretário, todas as companhias de abastecimento do País foram prejudicadas pelo então ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele frisou que, somente graças a dois decretos publicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, houve prorrogação, até 31 de dezembro de 2025, do prazo de regionalização dos serviços e permissão da manutenção de contratos com estatais sem licitação em microrregiões.
O secretário ainda pontuou que não se sabe, até agora, a posição do Governo do Estado sobre o polêmico assunto.
Veja a íntegra do texto abaixo
* Por Ermes Costa
Aos que defendem a privatização da COMPESA, certamente falta o devido conhecimento sobre o papel da companhia. É deprimente constatar o quanto os defensores desta ideia estapafúrdia fazem uso de uma argumentação rasa, dando notórias demonstrações de subserviência ao setor privado. Tampouco sabem das consequências do Marco Legal do Saneamento, aprovado na Câmara dos Deputados em 2020. O Marco Legal não oferece a desejada universalização do setor de saneamento, pelo contrário, atende ao interesse entreguista de privatizar o patrimônio público, especificamente as companhias estaduais de saneamento, e gera inúmeras dificuldades ao setor. Além disso, se não fossem os dois decretos 11.466 e 11.467 publicados pelo governo federal, em 5 de abril último, todo o setor de água e esgotamento sanitário do país teria entrado em colapso.
O Novo Marco Legal do Saneamento (Lei 14026/2020), que é tão aclamado pela direita, é extremamente danoso para a população de áreas periféricas, rurais e municípios menores e longes das fontes de água. Essa Lei gerou a nova definição da titularidade dos serviços públicos de saneamento básico, que afeta a organização e a autonomia dos Municípios e do Distrito Federal; o impedimento dos entes federados exercerem o seu direito constitucional de implementar a cooperação interfederativa e a gestão associada de serviços públicos, com a vedação da celebração dos Contratos de Programas; a obrigatoriedade de estabelecer a regionalização sem obedecer aos instrumentos previstos nos Artigos 25, § 3º e 241 da Constituição Federal; e o condicionamento de acesso aos recursos à implantação de “novo” modelo totalmente inconstitucional. Inclusive com a obrigatoriedade de alienação dos ativos das empresas públicas (privatização) e a realização de concessões e PPPs, que são prerrogativas dos entes e que não podem ser impostas a estes.
Nesse contexto, o presidente Lula acertadamente publica dois novos decretos que buscam corrigir diversos pontos que provocavam insegurança jurídica no setor de saneamento. Esses decretos buscam, entre outras questões, resgatar o objeto do artigo 16 da Lei 14.026 de 2020, que foi vetado. O texto do artigo previa que os contratos de programas vigentes e as situações de prestação dos serviços públicos de saneamento básico por empresa pública ou sociedade de economia mista poderiam ser reconhecidos como contratos de programa e formalizados ou renovados até 31 de março de 2022. Durante a análise do Projeto de Lei que gerou o novo marco do saneamento, o artigo 16 foi construído a partir de acordo firmado pelos Governadores, parlamentares da Câmara e Senado e o Governo Bolsonaro, porém, após a aprovação no Congresso, Bolsonaro o vetou e prejudicou diretamente as Companhias Estaduais de Saneamento, no gesto de subserviência ao setor privado e quebrando o acordo político firmado.
Entre outras diversas melhorias existentes nesses dois Decretos Presidenciais, destaca-se a prorrogação até 31 de dezembro de 2025 do prazo de regionalização dos serviços e permissão da manutenção de contratos com estatais sem licitação em microrregiões. Assim, corrigindo o erro do veto de Bolsonaro ao artigo 16 do novo marco do saneamento. Esses dois decretos permitiram que 29,8 milhões de pessoas, de 1.113 municípios, voltem a ter acesso a recursos públicos federais e possam reapresentar os estudos necessários para a garantia da universalização da prestação de serviços de água e esgotamento sanitário.
Mesmo com esses importantes avanços e sem qualquer diálogo ou pedido de esclarecimentos acerca dos temas dos novos decretos, fomos surpreendidos por dois Projetos de Decretos Legislativos (PDL) nº 111/2023 e 112/2023 apresentados na Câmara, no último dia 10, objetivando a derrubada das ações do Presidente. Entendemos que essas medidas podem provocar uma paralisação na prestação de serviços de água e esgoto em 2.098 municípios, atingindo diretamente 65,8 milhões de brasileiras e brasileiros, segundo dados do próprio Governo Federal.
Acrescentando a esses PDL apresentados na Câmara, assistimos às desfiliações da SABESP, COPASA e CORSAN da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe) e suas filiações na associação do setor privado. É de se lamentar que falte a alguns agentes públicos a compreensão do tema. Esse movimento de desfiliação nada mais é do que um papelão dos seus governadores, que são bolsonaristas ferrenhos, como Tarcísio de Freitas, por São Paulo, e Romeu Zema, por Minas Gerais. Além disso, a posição do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, filiado ao PSDB, mesmo partido da governadora de Pernambuco, nos deixa apreensivos acerca da real intenção sobre do Governo de Estado com a COMPESA. Esses três estados possuem representantes máximos do entreguismo da direita e essas iniciativas de desfiliações buscam, somente, atender aos interesses do setor privado. São esses exemplos negativos que estimulam políticos de direita de Pernambuco a defenderem a privatização da COMPESA.
Sobre a COMPESA, os privatistas precisam saber que, somente em 2022, a Companhia Pernambucana de Saneamento investiu R$ 1,02 bilhão em ações de implantação, expansão e melhoria da infraestrutura dos sistemas de água e de esgoto, além de ações de fortalecimento institucional, um crescimento de 15% em comparação ao ano anterior, segundo o relatório integrado de administração e sustentabilidade da companhia de 2023. Caso a gestão caia nas mãos do setor privado, a companhia entrará em uma nova rota de priorização, que é habitualmente a busca por lucro pelos seus donos privados e nessa lógica de mercado, deverá priorizar as localidades que exigem menores investimentos e permitam uma operação mais lucrativa. No mercado sem concorrência, monopolizado e de fornecimento de serviço essencial para a sobrevivência humana, é provável que o controle social sobre a prestação desses serviços deixará de existir, como ocorre no setor de energia elétrica e telecomunicações, sendo a população obrigada a pagar contas altíssimas, a exemplo do que acontece com a CELPE, que aumentou em cerca de 47% a mais a sua tarifa em relação à COMPESA, em análise feita entre os anos de 2010 e 2020.
É muito pouco provável que quem defende a COMPESA privada saiba do estudo das Nações Unidas que aponta 180 casos de reestatização do fornecimento de água e esgotamento sanitário em 35 países, em cidades como Paris (França), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina), Budapeste (Hungria), La Paz (Bolívia) e Maputo (Moçambique), entre 1999 e 2014. Desse total, houve 136 casos em países de alta renda e 44 casos em países de baixa e média renda. Aqui no Brasil, Tocantins e Manaus são exemplos de gestão privada que fracassaram. Esses locais possuem os maiores valores de tarifas e os piores indicadores de cobertura de serviços de água e esgoto no Brasil, segundo relatório do Governo Federal emitido em 2020.
Após a publicação dos dois decretos 11.466 e 11.467, surge um novo momento no setor de saneamento no Brasil. É hora de avançar sem picuinhas ou subserviência ao setor privado. É hora de avançar na defesa da universalização do acesso à água e esgotamento sanitário, da redução do nível de rodízio e da melhoria na qualidade da água. É hora de avançar na busca de soluções de engenharia para a execução de obras estruturadoras que permitam a garantia da dignidade humana, especialmente das pessoas que mais precisam. É hora de avançar na defesa da COMPESA pública e eficiente, como instrumento de transformação social.
* Ermes Costa é engenheiro de carreira da COMPESA desde 2008, onde atuou, dentre outras funções, como Diretor de Desenvolvimento e Sustentabilidade. É também professor da UPE e atualmente ocupa o cargo de secretário de Habitação do Recife.