Nacionalismo, “hiperglobalização” e as nações do futuro – Parte I
“O nacionalismo catalão não constitui caso isolado, mas faz parte de fenômeno amplo, no qual o sentimento de pertencimento a uma nação contribui para a definição do espaço político, seja em Estados nacionais, seja em nações sem Estado.”
-- Embaixador Luís Fernando de Carvalho
Os intensos acontecimentos das últimas semanas na Europa, culminando com o referendo realizado no dia 1º de Outubro para a independência da “Comunidade Autônoma da Catalunha”, capitaneada pelo seu presidente Carles Puigdemont (partido – PDeCAT - Partit Demòcrata Europeu Català), merece ser tema da coluna desta e da próxima semana para refletirmos alguns conceitos, relembrarmos fatos históricos desta rica região da Espanha. Com 7.5 milhões de habitantes e responsável por 21%do PIB da Espanha, a Catalunha já goza de uma autonomia quase completa.
A “questão catalã” perseguida insistentemente pelo seu presidente, seus desdobramentos, influência sistêmica em outras regiões do globo, a realidade política espanhola, histórica e atual trazem uma oportunidade única para discutirmos sobre as noções e conceitos de: “país”, “nação”, “Estado” e soberania. Conceitos estes que até hoje causam profunda discussão acadêmica em suas atribuições, sendo um campo fértil para visões políticas de determinados grupos de influência criando um campo propício para a usurpação do real significado de nacionalismo.
Uma breve história:
A Catalunha foi colonizada por Fenícios, Etruscos e Gregos até a chegada dos Império Romano do qual passou a fazer parte. No século V passa a ser domínio dos Visigodos, sendo conquistadas pelos árabes em 711 DC e, em 755, torna-se novamente cristã. Em 1137 as regiões que compunham a Catalunha negociaram uma aliança com a Coroa de Aragon e, já no século XIII, as instituições para a auto administração foram criadas com a denominação Generalitat de Catalunha. Algumas regiões da Catalunha foram “perdidas” para a França durante a revolta Catalã 1640-1659. Quando Barcelona foi conquistada pelo rei Bourbon Phillip V as instituições Catalãs foram destituídas e a autodeterminação cessou.
Já em 1873, após a abdicação do rei Amadeo I, a primeira República Espanhola foi declarada durando apenas um ano após uma divisão entre os “Federalistas” e os “Republicanos”. Novamente em 1874, o rei Alfonso XII (Casa de Bourbon) restabelece a monarquia aproveitando a divisão entre os dois grupos e os apoiadores de um “estado da Catalunha” dentro da “República Espanhola”.
Em 1923, com o apoio da monarquia, exército e da Igreja, o General Primo de Rivera instalou uma ditadura onde a Catalunha foi um centro de resistência e oposição. Ao final deste período, o político Francese Macia negociou com sucesso importantes direitos de autonomia para a Catalunha. Em 1932 o parlamento espanhol aprovou o estatuto da autonomia da Catalunha durante o período da segunda república. Com a vitória do General Franco ao final da guerra civil espanhola (1936-1939), a autonomia novamente foi encerrada, proibindo inclusive a utilização da língua catalã.
Leia também:
Blade Runner 2049 e o mundo em 2050
Vertigem, Implosão e Transformação...
Agora já em 1978, com a constituição democrática espanhola, a Catalunha ganharia após um ano, o seu “status” de região autônoma. O atual “Estado das Autonomias”, que se delineará a partir da Constituição de 1978, permitiu a organização territorial da Espanha em dezessete Comunidades Autônomas, que gozam de elevado grau de autonomia e autogoverno.
Desde o ano de 2006 que o desejo de independência tem crescido quando em 2014 o “primeiro” referendo foi suspendido pela corte constitucional da Espanha. Assim temos ao longo dos períodos de Primo de Rivera (1923-1930), da Segunda República (1931-1939), da Guerra Civil (1936-1939) e do franquismo (1939-1976), a organização territorial que representará um dos principais elementos de conflito para o país.
Com a crise econômica espanhola iniciada em 2008, o nacionalismo catalão emocional, fundamentado em questões identitárias, agregou-se ao nacionalismo “racional”, de viés econômico, que, sob o slogan “Madrid nos roba”, disseminando a idéeia de que, se os recursos não fossem drenados da Catalunha, comunidade autônoma mais rica da Espanha, o desenvolvimento catalão seria muito maior, assim como a extensão e qualidade dos serviços públicos prestados aos seus cidadãos.
Reflexão:
Considerando os fatos acima e a complexidade da formatação de uma Nação/Estado, dentro de um processo democrático regido pela “Lei e Ordem”, o plebiscito trará a almejada valorização da identidade e das aspirações políticas na Catalunha?
Como serão negociadas as questões dentro da visão da Diplomacia Econômica onde vários investidores e empresas já demonstraram publicamente a sua insatisfação em relação ao processo? Ameaçando e já tomando providencias com a retirada de seus escritórios centrais de Barcelona, ainda dentro do vazio deixado após discurso proferido pelo ex-jornalista e agora Presidente de 54 anos, Carles Puigdemont no parlamento da Catalunha criando uma situação jurídica completamente distorcida.
A sua “independência” resultaria na sua saída imediata da União Europeia conforme já explicitado, trazendo insegurança político-econômica, criando uma fuga de capitais, empresas e inclusive mão de obra. Logo após o referendo de 1º de Outubro, anunciaram a transferência de suas sedes sociais da Catalunha para outras regiões da Espanha, entre elas os bancos Sabadell e La Caixa e a empresa de energia Gas Natural.
Veja que não estamos discutindo o direito e a vontade soberana popular mas os fatos em si como a assinatura da declaração de independência por parte dos deputados do Parlamento da Catalunha e o atraso na sua implementação. Situação ainda mais inusitada aconteceu quando o presidente catalão, Carles Puigdemont, formalizou os resultados do referendo realizado no dia 1º de outubro, no qual o "sim" venceu com 90% dos votos e 43% de participação. Puigdemont declarou a independência, mas pediu a suspensão dos efeitos do processo de separação durante algumas semanas para que se abra uma via de diálogo com a Espanha.
Será que a globalização pode representar uma ameaça à democracia e à soberania das nações? Tivemos a globalização das finanças e da economia que pela análise de alguns analistas ainda não encontrou plena correspondência na globalização da vida política, operando com parâmetros principalmente nacionais. “...a crise enfrentada pela União Europeia a partir dos anos 2010, por exemplo, teria mais relação com a questão do alegado “déficit democrático” da organização do que propriamente com a crise econômica”. Embaixador Luís Fernando de Carvalho
O tempo corre agora para que Madri não ative o Artigo 155 da Constituição da Espanha, que permite a tomada de controle de qualquer uma das 17 comunidades autônomas do país. Acompanharemos e analisaremos mais em nossa coluna. Não Percam.
Empresário há 35 anos, Rainier Michael tem ampla experiência em trocas internacionais. O trabalho realizado por ele junto ao consulado esloveno, e designado “Diplomacia Econômica”, interpreta sob uma visão humana o desenvolvimento e o crescimento do Nordeste. Paulista de nascença, Michael se mudou para Pernambuco há dez anos, quando seus negócios no Estado cresceram de forma a tornar indispensável sua presença aqui. Seu comparecimento nos mercados pernambucanos, entretanto, é mais antigo do que isso. Antes de assumir o consulado, já era representante da Sociedade Brasil-Alemanha no Nordeste. É destacável, também, sua atuação enquanto presidente do Rotary Club Recife.
*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.