Logo Folha de Pernambuco

Nacionalismo, “hiperglobalização” e as nações do futuro – Parte I

Referendo da Catalunha deixou 800 pessoas feridas - Josep Lago/AFP

“O nacionalismo catalão não constitui caso isolado, mas faz parte de fenômeno amplo, no qual o sentimento de pertencimento a uma nação contribui para a definição do espaço político, seja em Estados nacionais, seja em nações sem Estado.” 
 -- Embaixador Luís Fernando de Carvalho

Os intensos acontecimentos das últimas semanas na Europa, culminando com o referendo realizado no dia 1º de Outubro para a independência da “Comunidade Autônoma da Catalunha”, capitaneada pelo seu presidente Carles Puigdemont (partido – PDeCAT - Partit Demòcrata Europeu Català), merece ser tema da coluna desta e da próxima semana para refletirmos alguns conceitos, relembrarmos fatos históricos desta rica região da Espanha. Com 7.5 milhões de habitantes e responsável por 21%do PIB da Espanha, a Catalunha já goza de uma autonomia quase completa.

A “questão catalã” perseguida insistentemente pelo seu presidente, seus desdobramentos, influência sistêmica em outras regiões do globo, a realidade política espanhola, histórica e atual trazem uma oportunidade única para discutirmos sobre as noções e conceitos de: “país”, “nação”, “Estado” e soberania. Conceitos estes que até hoje causam profunda discussão acadêmica em suas atribuições, sendo um campo fértil para visões políticas de determinados grupos de influência criando um campo propício para a usurpação do real significado de nacionalismo.

Uma breve história:

A Catalunha foi colonizada por Fenícios, Etruscos e Gregos até a chegada dos Império Romano do qual passou a fazer parte. No século V passa a ser domínio dos Visigodos, sendo conquistadas pelos árabes em 711 DC e, em 755, torna-se novamente cristã. Em 1137 as regiões que compunham a Catalunha negociaram uma aliança com a Coroa de Aragon e, já no século XIII, as instituições para a auto administração foram criadas com a denominação Generalitat de Catalunha. Algumas regiões da Catalunha foram “perdidas” para a França durante a revolta Catalã 1640-1659. Quando Barcelona foi conquistada pelo rei Bourbon Phillip V as instituições Catalãs foram destituídas e a autodeterminação cessou.

Já em 1873, após a abdicação do rei Amadeo I, a primeira República Espanhola foi declarada durando apenas um ano após uma divisão entre os “Federalistas” e os “Republicanos”. Novamente em 1874, o rei Alfonso XII (Casa de Bourbon) restabelece a monarquia aproveitando a divisão entre os dois grupos e os apoiadores de um “estado da Catalunha” dentro da “República Espanhola”.

Em 1923, com o apoio da monarquia, exército e da Igreja, o General Primo de Rivera instalou uma ditadura onde a Catalunha foi um centro de resistência e oposição. Ao final deste período, o político Francese Macia negociou com sucesso importantes direitos de autonomia para a Catalunha. Em 1932 o parlamento espanhol aprovou o estatuto da autonomia da Catalunha durante o período da segunda república. Com a vitória do General Franco ao final da guerra civil espanhola (1936-1939), a autonomia novamente foi encerrada, proibindo inclusive a utilização da língua catalã.

Leia também:
Blade Runner 2049 e o mundo em 2050
Vertigem, Implosão e Transformação...


Agora já em 1978, com a constituição democrática espanhola, a Catalunha ganharia após um ano, o seu “status” de região autônoma. O atual “Estado das Autonomias”, que se delineará a partir da Constituição de 1978, permitiu a organização territorial da Espanha em dezessete Comunidades Autônomas, que gozam de elevado grau de autonomia e autogoverno.

Desde o ano de 2006 que o desejo de independência tem crescido quando em 2014 o “primeiro” referendo foi suspendido pela corte constitucional da Espanha. Assim temos ao longo dos períodos de Primo de Rivera (1923-1930), da Segunda República (1931-1939), da Guerra Civil (1936-1939) e do franquismo (1939-1976), a organização territorial que representará um dos principais elementos de conflito para o país.

Com a crise econômica espanhola iniciada em 2008, o nacionalismo catalão emocional, fundamentado em questões identitárias, agregou-se ao nacionalismo “racional”, de viés econômico, que, sob o slogan “Madrid nos roba”, disseminando a idéeia de que, se os recursos não fossem drenados da Catalunha, comunidade autônoma mais rica da Espanha, o desenvolvimento catalão seria muito maior, assim como a extensão e qualidade dos serviços públicos prestados aos seus cidadãos.

Reflexão:
Considerando os fatos acima e a complexidade da formatação de uma Nação/Estado, dentro de um processo democrático regido pela “Lei e Ordem”, o plebiscito trará a almejada valorização da identidade e das aspirações políticas na Catalunha?

Como serão negociadas as questões dentro da visão da Diplomacia Econômica onde vários investidores e empresas já demonstraram publicamente a sua insatisfação em relação ao processo? Ameaçando e já tomando providencias com a retirada de seus escritórios centrais de Barcelona, ainda dentro do vazio deixado após discurso proferido pelo ex-jornalista e agora Presidente de 54 anos, Carles Puigdemont no parlamento da Catalunha criando uma situação jurídica completamente distorcida.

A sua “independência” resultaria na sua saída imediata da União Europeia conforme já explicitado, trazendo insegurança político-econômica, criando uma fuga de capitais, empresas e inclusive mão de obra. Logo após o referendo de 1º de Outubro, anunciaram a transferência de suas sedes sociais da Catalunha para outras regiões da Espanha, entre elas os bancos Sabadell e La Caixa e a empresa de energia Gas Natural.

Veja que não estamos discutindo o direito e a vontade soberana popular mas os fatos em si como a assinatura da declaração de independência por parte dos deputados do Parlamento da Catalunha e o atraso na sua implementação. Situação ainda mais inusitada aconteceu quando o presidente catalão, Carles Puigdemont, formalizou os resultados do referendo realizado no dia 1º de outubro, no qual o "sim" venceu com 90% dos votos e 43% de participação. Puigdemont declarou a independência, mas pediu a suspensão dos efeitos do processo de separação durante algumas semanas para que se abra uma via de diálogo com a Espanha.

Será que a globalização pode representar uma ameaça à democracia e à soberania das nações? Tivemos a globalização das finanças e da economia que pela análise de alguns analistas ainda não encontrou plena correspondência na globalização da vida política, operando com parâmetros principalmente nacionais. “...a crise enfrentada pela União Europeia a partir dos anos 2010, por exemplo, teria mais relação com a questão do alegado “déficit democrático” da organização do que propriamente com a crise econômica”. Embaixador Luís Fernando de Carvalho
O tempo corre agora para que Madri não ative o Artigo 155 da Constituição da Espanha, que permite a tomada de controle de qualquer uma das 17 comunidades autônomas do país. Acompanharemos e analisaremos mais em nossa coluna. Não Percam.

Empresário há 35 anos, Rainier Michael tem ampla experiência em trocas internacionais. O trabalho realizado por ele junto ao consulado esloveno, e designado “Diplomacia Econômica”, interpreta sob uma visão humana o desenvolvimento e o crescimento do Nordeste. Paulista de nascença, Michael se mudou para Pernambuco há dez anos, quando seus negócios no Estado cresceram de forma a tornar indispensável sua presença aqui. Seu comparecimento nos mercados pernambucanos, entretanto, é mais antigo do que isso. Antes de assumir o consulado, já era representante da Sociedade Brasil-Alemanha no Nordeste. É destacável, também, sua atuação enquanto presidente do Rotary Club Recife.

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

Veja também

Clube Português disputa Final Four da Liga Nacional de Handebol
Handebol

Clube Português disputa Final Four da Liga Nacional de Handebol

TERRA TRANSPORTE E PARTICIPAÇÕES S.A. - Ata AGE

TERRA TRANSPORTE E PARTICIPAÇÕES S.A. - Ata AGE

Newsletter