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Nacionalismo, “hiperglobalização” e as nações do futuro – Parte II (Artigo 155)

Catalunha - Pau Barrena/AFP

Em 1947, ao escrever “História da Espanha”, o historiador francês Pierre Vilar avaliou que os principais problemas espanhóis do século XX eram a questão social (reforma agrária), a militar (intervencionismo das Forças Armadas), a eclesiástica (pretensão de hegemonia civil), a internacional (isolamento de Espanha) e a questão territorial.

Caso escrevesse no período da Transição Democrática após a morte de Franco, em 1975, acredito que incluiria a democracia e a forma de governo (monárquico ou republicano).

Apesar do sucesso da Espanha em superar praticamente todos os desafios e questões mencionadas por Vilar, ainda existe a questão relacionada à organização territorial, na qual disputas entre nacionalismos de Luís Fernando de Carvalho “polaridade simetricamente inversas” continuam a condicionar o sistema político e a “vertebração” territorial do Estado espanhol.

É preciso reforçar que os discursos nacionalistas (catalães e espanhóis) refletem sentimentos identitários genuínos, compartilhados por grande número de cidadãos nas respectivas regiões. Tais discursos são utilizados, no entanto, em contexto no qual as diversas forças políticas da Espanha disputam poder no âmbito local, regional e nacional, razão pela qual a questão catalã representa, em última instância, uma disputa política econômica.

Vejam a catástrofe que pode abater todos, independentemente de sentimentos nacionalistas genuínos; apenas no mês de Outubro, 691 empresas retiraram a sua sede da Catalunha, número superior em comparação ao nove meses anteriores ao plebiscito. A instabilidade gerada por discursos, apresentando posições ambíguas e polarizadas dentro de uma visão e interpretação própria, altamente questionada dentro da Lei Constitucional vigente, tem criado um animo econômico perigoso de grande instabilidade onde não existem ganhadores.

Um exemplo emblemático deste movimento foi a marca Cava – um vinho tradicional espumante da Catalunha - Codorníu, que anunciou a sua mudança para La Rioja, após 500 anos e 18 gerações na Catalunha!

País, Nação e (ou) Estado; uma reflexão?
O vocábulo nação é frequentemente utilizado para referir-se a conceitos correlatos, em especial aos relacionados a povo, pátria e Estado. Fala-se em “Direito Internacional” (e não “Interestatal”); em “Paz e Guerra entre as nações” (e não em “entre os Estados”); em “A riqueza das nações” (e não em “dos povos”); e em “Carta das Nações Unidas” (e não em “dos Estados Unidos”). Termos correntes como “interesse nacional”, “segurança nacional”, “nacionalização de empresas” e “movimento de libertação nacional” somam-se aos exemplos de imprecisão semântica.

Também os textos jurídicos utilizam o vocábulo “nação” com o sentido de Estado. Entre os propósitos desposados na Carta das Nações Unidas, em seu art. 1.2, está o de “desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos”; no qual se utiliza nação em lugar de Estado soberano e não se define nação, nem povo nem tampouco quem tem direito à autodeterminação. A polissemia, como é de se esperar, dificulta a delimitação do objeto e a sua definição.

Enquanto a relação de um indivíduo com a nação invoca um sentimento de pertencimento, de amor à pátria, a relação com o Estado parece remeter a um vínculo burocrático. Há pessoas predispostas a sacrificarem-se pela nação, mas poucos estariam dispostos a morrer pelo Estado. A forte carga emotiva do termo faz com que seu uso seja frequente como exaltação de características comuns e de invocação de solidariedade.

Nação e Nacionalismo
Nação e nacionalismo são objetos de diversas ciências sociais. Podem ser estudados, por exemplo, sob a ótica identitária (antropologia), do uso dos símbolos (semiótica), da organização territorial (teoria do Estado), do exercício do poder (ciência política), da narrativa teleológica (história), ou da delimitação do território (geografia).

Apesar de não haver acordo sobre a definição de nação, há consenso sobre a diferenciação entre Estado e nação. Guibernau, por exemplo, sublinha que a nação é uma comunidade cultural, ao passo que o Estado é uma instituição política que detém o poder. O Estado-nação, por sua vez, representa fenômeno moderno surgido no final do século XVIII. Emerge no tempo da Revolução.

Se as unidades políticas organizadas como Estados-nação controlavam cerca de 40% do total da superfície do planeta em 1900, passaram a controlar quase 100% no início do século XXI.

Demétrio Magnoli, “nacionalismo é o nome desse poder coesivo e legitimador”.
Como doutrina política, o nacionalismo é neutro e pode servir a objetivos distintos. De acordo com Junco, o nacionalismo “poderá criar ou dividir entidades políticas; democratizar governos ou justificar ditaduras; socializar a riqueza ou preservar as estruturas sociais; avançar a modernização ou evitá-la; construir impérios ou promover a rebelião contra eles; e assim por diante”.

É utilizado para mobilização patriótica tanto por democracias quanto por ditaduras, tanto por regimes de esquerda quanto de direita. Pode funcionar como elemento de coesão política e instrumento de solidariedade em uma comunidade, mas, também como fator de diferenciação e exclusão social.

Costumam classificar o Nacionalismo como cívico (França pós-1789 e os Estados Unidos) ou étnico (ênfase maior à cultura, língua, tradições e raça, ressaltando as características comuns do grupo., A nação será portadora de uma “alma”, um volkgeist, um caráter nacional gerado espontaneamente ao largo da história. Como derivações de tais princípios, no que diz respeito à nacionalidade, a concepção cívica francesa conduzirá ao jus solis e a concepção étnica alemã, ao jus sanguinis, apesar de nenhum deles existir de forma pura no mundo real.

Esta base de conceitual é fundamental para termos uma ideia inicial de como cada lado utiliza a história e as definições a seu favor.

Barcelona Futebol Clube
O presidente do Barca Josep Maria Bartomeu tem dado um grande exemplo de serenidade para que os ânimos não se exaltem, pois desde o início tem dito que não deixará que nenhum dos lados utilize o time de futebol na guerra política, para as aspirações da Catalunha em se tornar independente da Espanha.

“Nós não somos um instrumento para ser manipulado por interesse políticos, não importa o que seja... nós defendemos os princípios da democracia” disse Bartomeu. “Ninguém pode se apropriar de nosso escudo ou de nossa bandeira”.

A “experiência da Catalunha” influenciou as regiões de Veneto e Lombardia que estarão realizando dois referendos/consultas não oficiais, modestas e legais frente a constituição onde colocarão as questões para a população; se querem que representantes negociem com Roma mais autonomia e o retorno de suas taxações/impostos.

A postura recente da Catalunha inclusive fez que Milão tenha mais chance em receber o escritório centro da Agencia Europeia de Medicina que está de saída do Reino Unido após Brexit.

Em qualquer situação da vida, quando os conceitos e parâmetros não estão claros, bem definidos e devidamente aceitos pelas partes, qualquer resultante é conflituosa.
O que diz o direito internacional sobre o separatismo?

A proteção da integridade territorial está em pé de igualdade com a autodeterminação dos povos. Mas há outros aspectos legais, e práticos, a serem considerados na questão da Catalunha. Pelo direito internacional não existe o direito à secessão – a não ser que os dois lados concordem com essa opção. O que, obviamente, não é o caso na questão da Catalunha.

Outras regiões da Europa...
Temos o caso da Alemanha, por exemplo, onde caso os habitantes do estado da Baviera decidissem se separar do restante do país, este não poderia aludir ao direito de autodeterminação.

Conforme o especialista em direito internacional Stefan Talmon, o mesmo vale para os albaneses do Kosovo que declararam independência da Sérvia em 2008. O status de Kosovo, no âmbito do direito internacional, permanece ainda em aberto. A Sérvia reconhece Kosovo ainda como parte de seu território nacional.

Veja que em 2010, o Tribunal Penal Internacional chegou à conclusão de que a declaração de independência do Kosovo não fere os princípios do direito internacional, mas a corte não definiu uma posição sobre o status e confirmou a Resolução n° 1244 da ONU, que garante a soberania e a integridade territorial da República da Iugoslávia, que tem a Sérvia como um dos sucessores legais novamente criando um “limbo”, fonte de possíveis rupturas e conflitos.

Ao mesmo tempo, mais da metade dos quase 200 países-membros da ONU reconheceram o Kosovo como Estado independente – com exceção da Espanha, pois o governo em Madri teme a abertura de um precedente para a Catalunha e, possivelmente, para outros territórios que buscam a independência no país.

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A Escócia é um caso diferente. O governo britânico não era legalmente obrigado a concordar com um referendo sobre a independência escocesa do Reino Unido. Mesmo assim, permitiu uma consulta popular em 2014 para esclarecer politicamente a questão.
Resultado: uma maioria de 55% (contra 45%) votou pela permanência da Escócia no Reino Unido. Mesmo a decisão pelo Brexit – tomada também após um referendo popular – não mudou praticamente nada na opinião dos escoceses. A questão de uma Escócia independente, portanto, parece resolvida – ao menos por enquanto.

O desdobramento e as consequências deste processo será longo e gerará grandes ondas de instabilidades em diversas regiões sendo um dos grandes desafios para a União Europeia nos próximos anos.

Empresário há 35 anos, Rainier Michael tem ampla experiência em trocas internacionais. O trabalho realizado por ele junto ao consulado esloveno, e designado “Diplomacia Econômica”, interpreta sob uma visão humana o desenvolvimento e o crescimento do Nordeste. Paulista de nascença, Michael se mudou para Pernambuco há dez anos, quando seus negócios no Estado cresceram de forma a tornar indispensável sua presença aqui. Seu comparecimento nos mercados pernambucanos, entretanto, é mais antigo do que isso. Antes de assumir o consulado, já era representante da Sociedade Brasil-Alemanha no Nordeste. É destacável, também, sua atuação enquanto presidente do Rotary Club Recife.

* A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

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