A importância da bioética na era da revolução biotecnológica
Pela primeira vez, o Brasil é sede da 16th Conferência Mundial de Bioética, Ética Médica e Direito da Saúde, organizada pelo International Chair in Bioethics, organização integrada por 23 países e presidida pelo médico e professor da Universidade do Porto, em Portugal, Dr. Rui Nunes. Para ele, “o evento transformou Brasília na capital da bioética, oportunidade em que discutem temas como o uso da inteligência artificial na saúde, que exige reflexões bioéticas para tomada de decisões complexas”. A dimensão do evento, que ocorre em Brasília, no período de 24 a 26 de julho, com apoio do Conselho federal de Medicina, mostra a importância de se debater, a nível mundial, questões bioéticas que permeiam as nossas vidas em um cenário de avanço biotecnológico cada vez mais célere.
A bioética é uma disciplina essencial que interliga a ética, a filosofia, a medicina e o direito, abordando questões difíceis e fundamentais relacionadas à vida, à saúde e ao bem-estar humano. Sua importância é cada vez mais evidente à medida que novas tecnologias revolucionam o campo da medicina e desafiam os princípios tradicionais de tratamento e cuidado.
O advento de tecnologias avançadas, como a inteligência artificial (IA), a telemedicina, os robôs cirúrgicos, os úteros artificiais, os tratamentos genéticos, chips cerebrais têm transformado a prática médica e a gestão da saúde. Essas inovações oferecem potencial para diagnósticos mais rápidos, tratamentos mais eficazes e a capacidade de tratar condições previamente incuráveis. No entanto, também levantam questões éticas significativas. Em minha fala na conferência mundial, alerto para a necessidade de se pensar, à luz da bioética, em um homem cada vez mais “robotizado”, a caminho do que o filósofo Harari chama de “homo excelsior” e suas demandas em matéria de saúde.
Os médicos e os operadores do direito enfrentam desafios complexos ao tomar decisões sobre a utilização dessas novas tecnologias. Os médicos devem equilibrar os benefícios potenciais das inovações com os riscos associados, garantindo que os tratamentos sejam seguros, eficazes e justos. Os operadores do direito, por sua vez, precisam desenvolver e aplicar regulamentos que protejam os direitos dos pacientes e garantam a equidade no acesso aos cuidados de saúde, diminuindo os índices de judicialização que, no Brasil, são bastante elevados.
A bioética desempenha um papel decisivo na discussão sobre o acesso à saúde. Com a introdução de tratamentos de ponta e medicamentos inovadores, surge a questão de como distribuir esses recursos de maneira justa e responsável. A bioética ajuda a orientar políticas que busquem equilibrar a necessidade de inovação com a responsabilidade de garantir que todos os indivíduos tenham acesso aos cuidados de saúde necessários, independentemente de sua situação financeira.
Os tratamentos de ponta, como a terapia gênica e os procedimentos de engenharia biológica, têm o potencial de salvar vidas e melhorar significativamente a qualidade de vida. No entanto, também apresentam dilemas éticos sobre quem deve ter acesso a esses tratamentos e como eles devem ser distribuídos. A bioética fornece um framework para abordar esses dilemas, promovendo a justiça, a equidade e o respeito à dignidade humana.
Além disso, a bioética é uma ferramenta poderosa na resolução de conflitos no campo da medicina e do direito da saúde. Ela oferece diretrizes para a tomada de decisões que respeitam os valores humanos fundamentais e promovem o bem-estar geral. Em situações de conflito, como a disputa sobre a priorização de tratamentos ou a alocação de recursos limitados, a bioética ajuda a encontrar soluções que sejam justas e equilibradas, considerando as necessidades e direitos de todos os envolvidos.
Entidades como o International Chair in Bioethics, com as suas unidades credenciadas mundialmente, desempenham um papel importantíssimo na disseminação do conhecimento em bioética e ênfase na necessidade de sua utilização. A médica e coordenadora da Unidade de Bioética do Real Hospital Português, Dra. Maria do Carmo Lencastre, chama a atenção para a “necessidade de compartilhamento de conhecimento em bioética, pois quem conhece os princípios da bioética toma melhores decisões para a vida e a saúde das pessoas”.
Sem dúvida, a integração da bioética na formação e prática tanto de profissionais de saúde quanto de operadores do Direito é essencial para assegurar que as decisões em ambas as áreas sejam guiadas por princípios éticos robustos, promovendo a justiça, a equidade e o respeito aos direitos humanos.
À medida que continuamos a avançar no campo da saúde, a bioética será cada vez mais vital para guiar nossas ações e políticas, garantindo que o progresso tecnológico beneficie a todos de maneira justa, ética e responsável.