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A Medicalização da Vida: Quando Há Remédio para Tudo

Foto: FreePik

Vivemos em uma época onde a busca pela solução rápida e eficaz para os problemas de saúde muitas vezes leva à medicalização excessiva da vida. Nesse cenário, a ideia de que há um remédio para cada mal torna-se prevalente, alimentada pela disponibilidade de uma vasta gama de medicamentos e pela pressão social e comercial para encontrar soluções imediatas para os desconfortos físicos e emocionais.

O filósofo Ivan Lllich, em seu livro “A expropriação da saúde”, de 1975, já tratava deste tema, alertando para a diminuição da autonomia das pessoas para resolverem seus problemas, diante de um cenário de enquadrar como doença problemas que são inerentes à condição humana como o luto, a tristeza, certo mal-estar. Basta citar as crianças “levadas” que, na maioria das vezes mediante uma única consulta, são diagnosticadas como portadoras de distúrbios psiquiátricos/comportamentais.

Nas lições de Foucault, essa medicalização é fruto do biopoder, o qual se manifesta através do “adestramento de corpos”, a fim de torna-los produtivos, que faz com que as pessoas tenham que se encaixar em regras de conduta, padrões normativos, maneiras de agir e de se desenvolver de forma padronizada, de maneira que características humanas consideradas traços distintivos de cada um de nós passaram a ter diagnóstico, status biológico/patológico, desconsiderando o caráter cultural e social do ser humano. 

A medicalização da vida se manifesta de diversas formas. Desde o uso indiscriminado de medicamentos para tratar condições menores, como dores de cabeça e insônia, até a medicalização de aspectos normais do desenvolvimento humano, como a tristeza e a ansiedade. A mensagem implícita é de que qualquer desconforto pode e deve ser eliminado com uma pílula.

Para além dos aspectos psicológicos, a influência da mídia que dita uma representação distorcida da saúde e da beleza com um padrão inatingível para muitas pessoas, gera insatisfação com os corpos e alimenta uma demanda por soluções rápidas e eficazes, que tem como fundo a medicalização. Através de campanhas publicitárias elaboradas, programas de televisão, redes sociais e revistas, somos constantemente bombardeados com imagens de corpos "perfeitos", associadas à felicidade, sucesso e realização pessoal. 

É nesse contexto que a indústria farmacêutica entra em cena, aproveitando-se das inseguranças e aspirações das pessoas. Com produtos que prometem resultados rápidos e transformações drásticas, como pílulas de emagrecimento, suplementos alimentares e tratamentos estéticos, a indústria farmacêutica alimenta a busca incessante pela perfeição física. A advogada e farmacêutica Dacylene Amorim cita o caso de “´fármaco lançado para o combate a diabetes e obesidade, queridinho das estrelas de Hollywood pela promessa de emagrecimento rápido e sem esforço, de custo elevado, em relação ao qual ainda se desconhece efeitos a longo prazo de sua utilização indiscriminada”

No entanto, por trás dessas promessas milagrosas muitas vezes há uma realidade menos glamorosa. Muitos desses produtos não passam por testes rigorosos de segurança e eficácia, e seus efeitos colaterais podem ser desconhecidos ou subestimados. Além disso, a obsessão com a perda de peso e a busca implacável pela juventude eterna podem levar a comportamentos prejudiciais à saúde, como dietas extremamente restritivas, uso abusivo de medicamentos e procedimentos estéticos arriscados.

Portanto, essa abordagem tem consequências significativas, especialmente no sistema de saúde. Primeiramente, a medicalização excessiva contribui para o aumento dos custos com saúde, à medida que mais recursos são direcionados para a compra de medicamentos e tratamentos, muitas vezes desnecessários. Isso coloca pressão adicional sobre os sistemas de saúde já sobrecarregados, levando a um desperdício de recursos que poderiam ser melhor direcionados para a prevenção e tratamento de doenças graves.

Além disso, a medicalização da vida pode levar a uma série de problemas de saúde pública, incluindo o surgimento de resistência antimicrobiana devido ao uso excessivo e inadequado de antibióticos, bem como o aumento do risco de efeitos colaterais e dependência associados ao uso prolongado de certos medicamentos.

Outro aspecto preocupante é o impacto na saúde mental. Ao transformar experiências emocionais normais em condições médicas que exigem intervenção farmacológica, corremos o risco de medicalizar a tristeza, a ansiedade e o estresse, desconsiderando as causas subjacentes desses sentimentos e perpetuando a ideia de que não podemos lidar com nossas próprias emoções sem ajuda externa.

Diante desse cenário, é crucial promover uma abordagem mais equilibrada para o cuidado da saúde, que reconheça a importância da prevenção, da promoção da saúde e do autocuidado, além do tratamento médico quando necessário. Além disso, é essencial exigir maior transparência e regulamentação na publicidade de medicamentos para proteger os consumidores de promessas enganosas e potencialmente prejudiciais.

Isso requer uma mudança de paradigma não apenas por parte dos profissionais de saúde, mas também da sociedade como um todo, para que possamos reconhecer e valorizar a complexidade da experiência humana e buscar soluções que promovam o bem-estar integral, em vez de simplesmente buscar uma pílula para cada problema.

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