Acesso à Saúde: Entendendo a Cobertura de Planos de Saúde e a Lei
O impacto da cobertura de planos de saúde e da lei no acesso à saúde nos dias de hoje
Caros leitores, me chamo Ana Claudia Brandão, Juiza de Direito, Pós Doutora em Biodireito pela Universidade de Salamanca na Espanha e também como Presidente da Comissão Nacional de Biodireito e Bioética da ADFAS e é com entusiasmo que iniciamos nossa coluna sobre Direito e Saúde. Neste espaço, abordaremos temas atuais e relevantes como o acesso ao SUS (Sistema Único de Saúde), cobertura de planos de saúde, medicamentos e tratamentos disponíveis, avanços na medicina e acesso às novas tecnologias em saúde, incluindo terapias gênicas, reprodução humana assistida, nascimento, envelhecimento e morte. Estes assuntos fazem parte de nossas vidas cotidianas e, muitas vezes, não possuímos informações claras e precisas sobre eles. Nossa missão é fornecer informações precisas e atualizadas sobre Direito e Saúde, para que você possa tomar decisões informadas sobre sua saúde e bem-estar.
Se você é usuário de plano de saúde e tem se perguntado o que está realmente coberto por seu plano, você não está sozinho. Em 2022, muitos usuários de planos de saúde ficaram preocupados com as coberturas de seus planos, especialmente em relação ao rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A pergunta que muitos têm se feito é se o rol da ANS é taxativo ou meramente exemplificativo. Isso significa que os planos de saúde só estão obrigados a cobrir o que a ANS elenca como devido, ou se eles devem cobrir tudo aquilo que o médico que acompanha o usuário prescreve?
Além disso, muitos se perguntam se é necessário judicializar a questão para obter o tratamento ou medicamento desejado. Infelizmente, muitas dúvidas ainda permanecem sobre essa matéria.
A saúde é reconhecida como um direito de todos e dever do Estado pela Constituição Federal do Brasil, e é prestada tanto pelo Poder Público através do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto pela iniciativa privada. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), 49,4 milhões de brasileiros possuem algum plano de saúde. No entanto, muitas dúvidas surgem sobre as coberturas desses planos e as negativas das operadoras têm levado à judicialização da questão. Dados do Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que mais de 520 mil processos judiciais relacionados à saúde estão em tramitação na Justiça brasileira. Para uniformizar o entendimento sobre a obrigatoriedade de cobertura, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial nº EREsp 1886929, prevalecendo o entendimento do relator, Ministro Luís Felipe Salomão, de que o rol da ANS é taxativo, mas admite exceções.
Com a decisão do Superior Tribunal de Justiça, os usuários só teriam direito à cobertura solicitada não prevista no rol se conseguissem comprovar que: i) a ANS não havia indeferido a incorporação do procedimento no rol; ii) que existia comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; iii) recomendação de órgãos técnicos de renome, nacionais e internacionais; e iv) participação, quando possível, de pessoas com expertise na área (peritos).
Devido à mobilização de Associações de Pacientes Usuários de Planos de Saúde contra a limitação aos direitos dos usuários/pacientes, foi sancionada, em 21/09/2022, a Lei 14.454, que alterou a Lei 9.656 de 1998. A nova lei estabelece que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (Reps), atualizado pela ANS, servirá apenas como referência básica para os planos privados de saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999. A ANS deve editar normas sobre a amplitude das coberturas e os tratamentos fora da lista devem ser cobertos desde que tenham eficácia comprovada, baseada em evidências científicas; aprovação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) ou recomendação de um órgão de avaliação de tecnologia de saúde de renome internacional.
A questão, no entanto, ainda não estava completamente definida, pois a decisão do STJ havia sido questionada no Supremo Tribunal Federal, devido à saúde ser um direito constitucional. Em julgamento pelo Plenário, em sessão virtual encerrada em 9/11/2022, a Corte determinou, por maioria, o arquivamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7193 e das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 986 e 990 que tratavam do rol de cobertura dos planos de saúde, entendendo que a questão havia sido solucionada pelo Poder Legislativo.
Além do julgamento das ADIs relacionadas ao rol de cobertura dos planos de saúde, o Plenário do STF também examinou e julgou improcedentes as ADIs 7088 e 7183, ajuizadas pela Associação Brasileira de Proteção aos Consumidores de Planos de Saúde - Saúde Brasil e pelo Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência (CRPD). Essas ações questionavam, além do rol, os prazos máximos para a atualização do mesmo e os critérios para orientar a elaboração de relatório pela comissão.
O STF considerou os prazos estabelecidos para a atualização do rol como razoáveis e concluiu que a resolução da ANS garante a representatividade dos setores envolvidos, bem como que a avaliação econômica contida no processo de atualização e a análise do impacto financeiro da incorporação dos tratamentos demandados são necessárias para garantir a manutenção da sustentabilidade econômico-financeira dos planos de saúde.
Atualmente, o cenário da regulamentação dos planos de saúde no Brasil ainda é incerto e o embate entre os diferentes interesses envolvidos ainda não chegou ao fim. Empresários do setor entendem que o texto da lei 14.454 é muito abrangente, o que pode gerar insegurança para o próprio usuário quanto às terapias prescritas nem sempre eficazes e para o setor como um todo, com impacto financeiro para o usuário, e já lutam por uma regulamentação da ANS que seja mais restritiva, em especial ao conceito do que seja “evidência científica”. Ponderam, ainda, que a redução do prazo para atualização do rol de dois anos para seis meses, levando em consideração análises técnicas e de impacto orçamentário, com participação inclusive da sociedade civil representa garantia ao usuário de acesso às novas tecnologias, com a segurança que o paciente precisa. No entanto, é importante lembrar que a nova lei não elimina completamente a judicialização da saúde, pois em caso de negativa por parte das operadoras de planos de saúde, ainda caberá ao Judiciário examinar a legalidade da mesma, caso a caso, e decidir a questão finalmente. Além disso, a regulamentação da ANS ainda não foi estabelecida e essa regulamentação pode influenciar o alcance e interpretação da lei. Portanto, o cenário atual é de incerteza e aguarda-se por desenvolvimentos futuros para compreender melhor como essa lei será aplicada e seus impactos na saúde suplementar no Brasil.
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