Hospitais e médicos podem recusar atendimento ao paciente por diretrizes institucionais?
Olá, queridos leitores!
Esta semana houve um amplo debate após a produtora de conteúdo Leonor Macedo postar em suas redes sociais que o Hospital São Camilo se negou a colocar um DIU (Dispositivo intrauterino, que funciona como método contraceptivo de longa duração) por questões religiosas.
Procurado para explicar o caso, o hospital afirmou que, "por diretriz institucional", não realiza procedimentos contraceptivos, "seja em homens ou mulheres". Tais procedimentos são realizados apenas em casos que envolvam riscos à manutenção da vida." "Os pacientes que procuram pela Rede de Hospitais São Camilo - SP e que não apresentam riscos à saúde são orientados a buscar na rede referenciada do plano de saúde hospitais que tenham esse procedimento contratualizado", complementa o texto.
Diante desse impasse, surgiu a dúvida: hospitais e médicos podem recusar atendimento ao paciente por diretrizes institucionais ou convicções pessoais?
Primeiramente, cumpre distinguir a figura do médico e do hospital. Ao profissional médico é garantido pelo Código de Ética Médica o direito à objeção de consciência, que é o direito que os médicos possuem de se recusarem a realizar procedimentos e tratamentos por razões morais, éticas ou religiosas. O especialista em Direito médico e da saúde, Eduardo Dantas, explica que “O Código de Ética garante ao médico a possibilidade de se abster da realização de um ato médico que, embora permitido por lei, seja contrário aos seus princípios morais, religiosos, profissionais e pessoais, ou seja, contrários à voz de sua consciência”.
Como exemplo que acontece com mais frequência, pode-se citar o caso do aborto legal. A mulher, vítima de estupro, pode realizar o aborto, posto que afastada a ilicitude do ato pelo código penal brasileiro. Um médico pode se abster de realizar o procedimento, por motivos pessoais, devendo o hospital indicar outro profissional. A exceção são os casos de urgência e emergência: nessas situações, o Código de Ética médica impõe ao médico o dever de adotar o procedimento, inclusive nos casos de recusa do paciente, para preservar a vida do mesmo. A objeção de consciência, portanto, tem em vista a autonomia do médico no exercício da sua profissão.
Entretanto, o direito de objeção de consciência é do médico (pessoa natural) e não das instituições de saúde (pessoas jurídicas). A saúde é direito de todos, segundo estabelece o art. 196 da Constituição Federal, sendo dever do Estado prestar este serviço, ainda que através da rede privada ou seja, da saúde suplementar. Portanto, as instituições de saúde devem disponibilizar os serviços a que se propõem prestar aos pacientes, independentemente das convicções pessoais dos seus profissionais.
Porém, é importante entender o contexto. Há instituições privadas que prestam atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde e assim não pode haver atuação diferente das diretrizes do Ministério da Saúde. Se há contratação do hospital pelo SUS para prestação de serviço de contracepção, por exemplo, não poderia haver recusa por motivo religioso.
No caso do atendimento por instituições particulares, é importante verificar quais os serviços que são ofertados, se o contrato do usuário possui cobertura para o procedimento e se há autorização do plano. Se o hospital simplesmente não presta determinados serviços não há como obriga-lo a fazê-lo, independentemente dos motivos. Caberia ao plano de saúde encaminhar o usuário a um outro prestador da rede credenciada ou arcar com o procedimento em outro fora da rede, se não houver o serviço a que se obrigou a cobrir.
Na prática, a questão não é de fácil conclusão. Vamos citar o exemplo de uma clínica de reprodução assistida que realiza os diversos tipos de técnicas, porém se recusa a atender determinado casal transexual. Seria discriminação a alegação de objeção de consciência? A resposta mais adequada seria que sim, porque a clínica atende todas as pessoas e a norma garante esse direito também aos transexuais.
Entretanto, é preciso avaliar as peculiaridades de cada caso. Certamente, as instituições privadas podem escolher os serviços médicos que vão prestar de acordo com as suas especialidades, porém não podem deixar de prestá-los em casos de emergência ou urgência, impondo riscos à saúde dos pacientes.
É importante ter em mente que a saúde é um direito fundamental internacional e a medicina, segundo o Código de Ética Médica é uma profissão a serviço da saúde e da vida humana, sob a perspectiva individual e coletiva e deve ser exercida sem discriminações de qualquer espécie. De acordo com a Constituição de 1988, é dever do Estado proporcionar o acesso a ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde a todas as pessoas, indistintamente.
A autonomia dos profissionais deve ser respeitada, porém o seu exercício não pode implicar violação aos princípios bioéticos da justiça (equidade), beneficência e não maleficência. As instituições podem, obviamente, ter as suas diretrizes de trabalho, mas em hipótese alguma elas podem se sobrepor ao direito fundamental à saúde dos cidadãos e ao dever constitucional de zelar pela saúde e vida do ser humano.