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Judicialização da saúde e TEA (Transtorno do Espectro Autista)

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A judicialização da saúde no Brasil é um fenômeno que vem crescendo ao longo dos anos, especialmente em áreas sensíveis e de alta demanda como o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1 em cada 160 crianças no mundo é diagnosticada com TEA. No entanto, essa prevalência pode variar consideravelmente entre diferentes estudos e regiões. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) estima que 1 em cada 54 crianças foi diagnosticada com autismo em 2020, refletindo um aumento significativo nas últimas décadas.

A explosão de diagnósticos, a crescente conscientização sobre o direito à saúde e lacunas no atendimento adequado por parte do sistema de saúde impactam no número de processos judiciais envolvendo a saúde de crianças com autismo.

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), houve um aumento significativo no número de ações judiciais relacionadas ao autismo nos últimos anos. Em 2023, estima-se que mais de 12.000 processos foram movidos por famílias de crianças com TEA buscando tratamentos e terapias. Essa judicialização é, muitas vezes, a única forma encontrada pelos responsáveis para garantir o acesso a intervenções essenciais que não são disponibilizadas de forma adequada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Um dos grandes desafios na judicialização da saúde relacionada ao autismo é a indicação de terapias calcadas na medicina baseada em evidências. Existem várias terapias que são amplamente utilizadas no tratamento do autismo ao redor do mundo, cada uma com diferentes níveis de respaldo científico, tais como:

1. Análise do Comportamento Aplicada (ABA): É uma das terapias mais bem documentadas e apoiadas pela ciência. Estudos mostram que a ABA pode ser eficaz em melhorar habilidades sociais, comunicativas e adaptativas em crianças com TEA. No entanto, novas evidências têm questionado a eficácia e a abordagem da ABA, apontando que, embora alguns indivíduos apresentem melhorias, outros podem não responder tão bem à terapia ou podem experimentar estresse e desconforto com métodos intensivos.
2. Terapia Ocupacional: Focada em melhorar as habilidades motoras finas e grossas, bem como ajudar as crianças a realizar atividades diárias de forma mais independente. Há evidências moderadas de sua eficácia, especialmente quando combinada com outras intervenções.
3. Terapia da Fala: Essencial para muitas crianças com autismo, ajuda a melhorar a comunicação verbal e não verbal. A eficácia desta terapia é bem documentada, embora os resultados possam variar significativamente de uma criança para outra.
4. Intervenção Precoce: Programas de intervenção precoce, que combinam várias terapias (como ABA, terapia ocupacional e fonoaudiologia), são considerados altamente eficazes para melhorar os resultados a longo prazo em crianças com autismo.
5. Terapias Alternativas e Complementares: Existem várias outras terapias utilizadas, como musicoterapia, equoterapia e dietas especiais. No entanto, a base científica para muitas dessas abordagens é limitada e, portanto, elas são menos recomendadas como tratamentos principais.

Assim, nem todas as abordagens terapêuticas possuem o mesmo nível de evidência científica que sustente sua eficácia, de modo que essa diversidade de tratamentos disponíveis e a variabilidade na resposta de cada criança tornam complexa a decisão sobre quais intervenções devem ser priorizadas e financiadas pelo poder público.  Por isso, os tribunais brasileiros implementaram os chamados NATJUS – Núcleo de Apoio Técnico que auxiliam os magistrados no processo de tomada de decisões sobre tratamentos/medicamentos, fornecendo dados científicos sobre os mesmos. Além disso, essa dificuldade requer maior atenção e acompanhamento dos planos terapêuticos, o que nem sempre tem sido feito pelos envolvidos, tanto da área da saúde como jurídica. 

De outro turno, é fundamental que o poder público invista na criação e manutenção de centros de atendimento especializado em autismo. Esses centros devem ser equipados com profissionais capacitados e recursos adequados para oferecer um tratamento integral e de qualidade. A falta de tais serviços força muitas famílias a recorrerem ao judiciário para garantir os direitos de seus filhos, sobrecarregando o sistema de justiça e prolongando o sofrimento das crianças e suas famílias. Outra consequência é a busca por tratamentos em clínicas particulares, às expensas do poder público, que nem sempre prestam o atendimento adequado e, na maioria das vezes, com cobrança de altos valores bloqueados nas contas públicos, causando prejuízo ao Erário e a toda a coletividade. 

Importante citar a iniciativa do Município de Recife que inaugurou o Núcleo Desenvolvimento Integral (NDI)/ Centro TEA – Mustardinha, com  instituição de  Protocolo Assistencial e de Acesso para Reabilitação Intelectual para  garantir o atendimento integral dos usuários dentro da rede do SUS. Para a procuradora do município e membro do Comitê Estadual de Saúde, Patrícia Lobo, “o aumento na oferta dos serviços de atendimento e de terapia, além de fortalecer a rede de assistência à saúde do cidadão, tem reflexo direto na resolução e prevenção dos conflitos judiciais, considerando o aumento significativo de demandas relacionadas aos transtornos do neurodesenvolvimento, como por exemplo o Trantorno do Espectro Autista”.

Nos últimos anos, o Brasil tem implementado diversas políticas públicas para melhorar o atendimento às pessoas com autismo. Entre as principais iniciativas estão:
•    Lei nº 12.764/2012: Também conhecida como a "Lei Berenice Piana", esta lei institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Ela estabelece direitos específicos para pessoas com TEA, incluindo o acesso a serviços de saúde, educação e assistência social.
•    Lei nº 13.438/2017: Determina a obrigatoriedade da inserção de informações sobre sinais de alerta do desenvolvimento infantil nas cadernetas de saúde da criança e do adolescente. Essa medida visa facilitar o diagnóstico precoce do autismo.
•    Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência - Viver sem Limite: Lançado em 2011, este plano inclui ações interministeriais para promover a inclusão social de pessoas com deficiência, incluindo aquelas com TEA.
•    Cartilha do CNJ sobre Autismo e Justiça: Em 2020, o CNJ lançou uma cartilha destinada a orientar magistrados e servidores do judiciário sobre os direitos das pessoas com autismo e as melhores práticas para lidar com processos judiciais relacionados ao TEA. A cartilha aborda desde aspectos legais até recomendações de atendimento humanizado.
•    Portaria GM/MS nº 4.722, de 3 de julho de 2024: Institui grupo de trabalho Ministerial sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA) no âmbito do Ministério da Saúde, com o objetivo de estruturar ações integradas no âmbito do Ministério da Saúde para qualificar o cuidado integral às pessoas com TEA.

A judicialização da saúde para o tratamento de crianças com autismo no Brasil reflete a necessidade urgente de políticas públicas mais efetivas e de uma infraestrutura de saúde mais robusta. É crucial que o poder público invista em centros especializados e em profissionais capacitados para garantir que todas as crianças com TEA recebam o tratamento necessário de acordo com as melhores evidências científicas disponíveis. 

Políticas públicas eficientes não apenas reduziria a carga sobre o sistema judiciário, o impacto econômico-financeiro das decisões judiciais na saúde, além de assegurar que essas crianças e suas famílias tenham uma melhor qualidade de vida e oportunidades de desenvolvimento, garantindo a sua dignidade e o direito à saúde. 

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