Saúde mental das mulheres: desafios invisíveis, urgências reais
Março é o mês em que se comemora o Dia Internacional das Mulheres - uma data que convida à reflexão sobre as conquistas femininas, mas também sobre os desafios profundos e silenciosos que seguem impactando a vida das mulheres em todas as suas dimensões. Um dos mais urgentes é a saúde mental: tema ainda cercado de estigmas, mas que escancara as dores de uma estrutura social que sobrecarrega, violenta, cobra e, muitas vezes, adoece.
As mulheres seguem sendo empurradas para a realização de múltiplos papéis - profissionais produtivas, mães dedicadas, esposas presentes, cuidadoras da família, administradoras do lar. A expectativa de excelência em todas essas funções gera uma sobrecarga emocional que se manifesta, muitas vezes, em forma de culpa, ansiedade, estafa mental, solidão e sensação de insuficiência. O erro, a pausa ou o sofrimento ainda são vistos como fraqueza. O discurso da mulher resiliente, que dá conta de tudo, acaba por mascarar o adoecimento.
A maternidade, em especial, carrega uma cobrança histórica: a da mulher-mãe ideal, que renuncia a si em nome do cuidado. Isso tem levado muitas a enfrentarem, em silêncio, quadros de depressão pós-parto, ansiedade e sofrimento psíquico, por não se sentirem autorizadas a expressar dúvidas, medos ou ambivalências. Mas não são apenas as mães que adoecem. As cobranças atravessam todas as mulheres - com ou sem filhos, com ou sem parceiros, com ou sem carreira - sempre com exigências distintas, mas igualmente intensas.
Outro fator que tem pressionado emocionalmente as mulheres é a cobrança por padrões estéticos irreais. A ditadura da juventude eterna e da “beleza perfeita” tem levado mulheres de todas as idades a se submeterem a procedimentos estéticos cada vez mais precoces, frequentes e, por vezes, perigosos. A busca pela “correção” do corpo, muitas vezes ancorada em discursos de autoestima, pode esconder um sofrimento psíquico mais profundo.
De acordo com a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), o Brasil é o segundo país do mundo que mais realiza procedimentos estéticos, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2022, mais de 2,5 milhões de cirurgias plásticas foram feitas no país, sendo que 87% foram realizadas em mulheres. Entre os procedimentos mais comuns estão lipoaspiração, próteses de mama e rinoplastia. Além disso, os procedimentos não cirúrgicos, como preenchimentos e aplicação de toxina botulínica, também aumentaram vertiginosamente - inclusive entre adolescentes. A pressão estética afeta diretamente a autoestima e está associada ao desenvolvimento de transtornos alimentares, depressão e dismorfia corporal.
Essa pressão, somada à violência estrutural e à desigualdade de gênero, impacta severamente a saúde mental das mulheres. Dados do Ministério da Saúde revelam que 13,4% das mulheres brasileiras relataram sintomas de depressão em 2023, em comparação com 7% dos homens. A ansiedade, considerada a “doença do século”, é ainda mais prevalente entre nós, mulheres. O Brasil ocupa o 1º lugar no ranking mundial de transtornos de ansiedade, com predominância no público feminino.
No mercado de trabalho, o reflexo do adoecimento mental é alarmante. Segundo dados da Secretaria da Previdência (2023), os transtornos mentais foram responsáveis por 64% dos afastamentos de mulheres por doenças no ano anterior. Entre os diagnósticos mais comuns estão a depressão, a síndrome de burnout e os transtornos de ansiedade. E mesmo diante do sofrimento, muitas demoram a buscar ajuda, por medo do julgamento social ou por vergonha - reflexo de um estigma que ainda cerca o adoecimento psíquico e que alimenta o silêncio e o isolamento.
A violência de gênero também contribui diretamente para o agravamento desses quadros. O Mapa da Violência de 2023 apontou mais de 245 mil registros de violência doméstica no Brasil, sem contar os inúmeros casos que permanecem ocultos. O impacto dessa violência vai muito além do físico: afeta a subjetividade, a confiança, a liberdade e a saúde mental das vítimas.
Diante desse cenário, é urgente implementar políticas públicas que coloquem a saúde mental das mulheres no centro do cuidado. É preciso garantir acesso a serviços psicológicos e psiquiátricos com abordagem sensível ao gênero, investir em espaços de acolhimento, fortalecer redes de apoio e desenvolver ações educativas que desconstruam os estereótipos femininos e os padrões inalcançáveis de beleza, produtividade e perfeição.
Também é fundamental enfrentar o estigma que envolve os transtornos mentais. Falar sobre saúde mental é um ato de resistência. Validar o sofrimento psíquico feminino, incentivar o autocuidado e promover ambientes - profissionais, familiares e comunitários - que acolham em vez de julgar, pode ser o primeiro passo para uma sociedade mais justa e saudável.
Neste mês de março, que a homenagem às mulheres vá além da celebração simbólica e se traduza em ações concretas de cuidado, escuta e transformação. Cuidar da saúde mental das mulheres é cuidar da democracia, da justiça e da humanidade.