Os desafios dos CEOs para prosperar no mundo digital
A Folha Finanças desta semana entrevistou Ricardo Natale, um dos mais importantes empresários de eventos corporativos do Brasil. Ele foi entrevistado por Eduarda Haeckel, do Inspiração Invest, parceira deste blog, publicitária com MBA em Marketing e cofundadora da Editora Inspiração. Na entrevista, Natale fala sobre os desafios dos CEOs para prosperar no mundo digital.
Ricardo é publicitário, jornalista e designer gráfico. Natale foi diretor de marketing do Grupo Meio & Mensagem e diretor de criação da agência de live marketing De Simoni. Em 2003, criou a Conectis Experience Marketing, a primeira agência de experience marketing do Brasil e realizou, até 2008, mais de 1.200 eventos corporativos de experiências. Em 2006, Natale fundou e se tornou CEO do Experience Club, a principal plataforma de networking corporativo com eventos de experiências e difusão de conteúdo, com atuação em praticamente todos os segmentos da economia nacional.
O Experience Club possui mais de 450 empresas afiliadas e um universo de 30.000 empresários e executivos das mais representativas empresas brasileiras, com unidades em São Paulo e no Recife. Em seu portfólio, são mais de 500 eventos presenciais e mais de 100 eventos digitais realizados. Em abril de 2020, o Experience Club inaugurou operação em Miami, visando o desenvolvimento dessa cidade como um dos novos hubs de inovação e negócios nos Estados Unidos.
Confira a seguir a entrevista completa com Ricardo Natale.
Na sua opinião, quais são as habilidades que o CEO, nos dias de hoje, precisa ter para liderar no mundo digital?
A maior habilidade para um CEO é se tornar especialista em antecipar os movimentos, pois é a antecipação que define os caminhos de um mapa que todos vão querer seguir. O CEO precisa desenvolver muito a sua paciência, mesmo com os planejamentos anuais, sempre vai haver ciclos no meio do caminho. Quando o tempo está bom, não se pode olhar somente pra colheita. O segredo é saber guardar durante a bonança para poder ser mais estratégico na escassez, quando as oportunidades aparecem. Um verdadeiro líder espera e prevê, mas nunca pode arriscar a advinhar. O futuro deve ser antecipado com base na realidade do presente.
Para buscar as mudanças disruptivas, um CEO deve ir atrás dos grandes talentos e não esperar que eles o procurem. O mesmo acontece com a antecipação: tem que entender o presente, se quiser criar fora da caixa no futuro. O CEO não deve confiar somente em sua intuição, mas sim estimular que a diversidade de pensamentos de seu time se torne a força motriz da companhia. A recomendação é criar um pensamento estratégico dinâmico e não mais um plano anual.
Um plano anual acaba sempre terminando 11 meses ultrapassado. Um pensamento estratégico dinâmico é menos sobre navegar em um mar calmo e mais sobre tomar decisões e corrigir a direção no meio da tempestade. Sempre com decisões na hora para evitar obstáculos e conseguir agarrar as oportunidades. E não duvide: é muito melhor uma estratégia 75% perfeita, mas 100% executável, do que uma estratégia 100% perfeita, mas somente 75% executável.
Qual é o verdadeiro papel do novo CEO?
Antigamente, ser CEO significava viajar de primeira classe, almoçar e jantar em restaurantes estrelados, ir a convenções nos melhores hotéis do mundo. Fora secretárias, assistentes, mentores. O desafio era garantir dividendos aos acionistas e clientes felizes. Na segunda metade do séc. XX, a média de permanência no cargo era de 15 anos. Porém, desde o início dos anos 2000, ser CEO deixou de ser tão divertido. A permanência de um CEO abaixou para 8 anos e mais de 40% deixam o cargo por baixa performance.
Analistas passaram a acreditar que performance de curto prazo de ações era o principal benchmarking. Mas isso também já mudou. Tanto os conselhos como os próprios CEOs perceberam que a liderança da transformação do negócio é o papel mais importante de um CEO. Aumentar a performance das ações, conduzir a transformação do business e trazer os melhores talentos formam o mix que avalia desempenho de um CEO. Os CEOs de hoje devem evitar o crescimento rápido a qualquer custo, o corte de budget para inovação e desacelerar o mindset dos quarters. E mais: controlam seus gastos, viajam menos, diminuem seus budgets.
Analistas passaram a considerar também o engajamento dos colaboradores como um dos tópicos que melhor pode avaliar um CEO. São com esses colaboradores engajados que companhias alcançam patamares elevados, tornam clientes satisfeitos e são capazes de escolher melhores caminhos. E um ponto já é fato: organizações com times engajados conseguem crescer mais seu faturamento. No entanto, vale ressaltar que o novo papel dos CEOs parece fácil, mas vai levar tempo para amadurecer. Muitos dos CEOs não têm track record de liderar times altamente engajados e essa disciplina não se aprende nas escolas. O CEO do futuro deve focar em ser o Chief Engagement Officer e deve assumir isso como seu desafio pessoal.
A pandemia tem acelerado a transformação digital nas mais diversas áreas da economia. Como você enxerga o mercado daqui alguns anos?
Em primeiro lugar, quando essa crise acabar nós não vamos mais voltar ao normal, ao que estávamos acostumados antes pois já mudamos nossa maneira de pensar. Hoje já temos novas expectativas e uma percepção maior sobre a importância das tecnologias para os negócios. Vamos ver nos próximos anos uma convergência muito maior das indústrias com uso de tecnologias em setores como energia, agricultura, saúde… a telemedicina já é uma realidade e vai se expandir mais ainda, sendo muito importante para países com grande demanda e das dimensões como o Brasil.
Antes, o futuro era linear, com o hoje parecido com o amanhã, mas agora as mudanças serão exponenciais, mais repentinas. Imagine daqui alguns anos com bilhões de pessoas conectadas com tecnologia 5G em todo o lugar, conexões entre máquinas e dispositivos, carros autônomos, estruturas inteligentes… Temos que estar preparados para isso pois nosso cérebro não é exponencial e nessas transformações as máquinas estão muito à nossa frente.
Desde o início do uso de novas tecnologias e a expansão dos processos automatizados se fala na substituição do trabalho humano pelas máquinas mas nosso maior desafio não é as máquinas assumirem o controle de tudo, e sim nos tornarmos iguais a ela. Nos próximos anos, tudo o que não pode ser digitalizado e automatizado passará a ser valorizado. As máquinas vão assumir atividades que são rotina e realizadas em repetição, o que não ocorre na criatividade, imaginação, ética, empatia, emoção, intuição… o diferencial humano está nessas habilidades.
De acordo com o futurista alemão Gerd Leonhard, até 2037 as oportunidades de trabalho serão reduzidas em áreas como manufatura, armazenamento, transporte, finanças e seguros, mas estarão em alta profissões onde há mais humanização, como saúde, comunicação, educação, ciências, artes etc.
Por onde as mudanças devem começar para prosperar nessa nova era digital?
Primeiro que as mudanças não têm que começar pela empresa toda, mas sim por uma área específica, pequena, mas que tenha um impacto importante no desenvolvimento da empresa como um todo. Isso ajuda a motivar os outros funcionários e departamentos a também criarem uma nova forma de trabalho.
Daqui para frente, o que marcará um líder forte nessas instituições será aquele que faz as perguntas mais potentes e poderosas, e que admite não ter a resposta para essas questões. Além disso, ele pede ajuda para tentar respondê-las. Essa nova abordagem é fundamental para a mudança da cultura da empresa pois ela encoraja as pessoas a fazerem as perguntas pois isso cria um novo conhecimento. Além disso, ele sabe que não tem problema algum pedir ajuda.
O futurista americano Thomas Frey fez uma previsão em 2016 que, em 2030, a maior empresa do mundo venderá aprendizagem online. Pode ser uma indústria ou varejo, ou de qualquer outro segmento. Todas as empresas possuem um estoque grande de conhecimento e quase nenhuma delas no Brasil está monetizando isso. E quando a empresa começar a monetizar esse conhecimento, consequentemente, vai virar uma escola de aprendizagem.
Para os indivíduos que viraram celebridades nas redes sociais, ensinando algo e prometendo sucesso, vai ser difícil competir com empresas que já possuem marcas fortes e dominam setores. As empresas especializadas em aprendizagem e as empresas que souberem monetizar seu estoque de conhecimento terão mais sucesso nos próximos tempos.
Como você encara o novo mindset de data-analytics para os CEOs da nova era?
O ponto de partida da inovação com mindset data-analytics parte da resposta de uma pergunta bastante desafiadora: faz sentido a empresa criar uma célula de inovação ou é melhor criar uma operação de inovação independente, fora do escritório?
Muitas companhias já criaram seus laboratórios de experimentos de novos negócios, nos quais existem uma camada de dados, uma camada criativa e uma camada de negócios. O grande segredo para esse laboratório prosperar é trazer para o espaço pontos de vista diferentes com o objetivo de gerar uma inteligência coletiva que fomenta a inovação.
A inovação deve ser como um vírus dentro de toda a empresa, permitindo que qualquer colaborador possa ter um insight a partir de dados para um novo experimento e poder testar a ideia. Por esse motivo é fundamental que as empresas tenham esses laboratórios de experimentos em teste novas ideias propostas, como um processo de inovação contínua. A maior quebra de paradigma é entender que experimento significa testar rápido, aprender rápido e, quando não der certo, basta jogar a ideia fora. Manter uma área de experimentos de negócios ativa e com velocidade para que as outras áreas da empresa possam respirar e tocar seus negócios com essa camada de inovação.
Em resumo, o modelo ideal é o de uma empresa com o vírus da inovação e um laboratório de experimentos ativo.