A chaga da escravidão (3ª parte)
No Brasil, os primeiros escravos desembarcaram bem depois daquele dia quente em que por aqui aportou Cabral, a caminho de Calicute. Oficialmente chegaram em 1532, para a capitania de São Vicente. Mas, segundo Varnhagen (em História geral do Brasil), há registro de 10 escravos em Itamaracá, no ano de 1526, trazidos por Diogo Leite - administrador daquela feitoria de Cristóvão Jacques.
Para os trabalhos de campo, nos primeiros tempos, até que se tentou usar índios. Mas eles tinham dificuldade em se adaptar a um duro ofício, tão diferente da vida livre que levavam. “O seu desenvolvimento cultural não havia atingido ainda a fase da agricultura sedentária, se alimentavam sobretudo dos produtos da coleta, da caça e da pesca”, assim disse Manuel Correia de Andrade (em A Terra e o homem do Nordeste).
Até ajudavam, no desmatamento, mas não sabiam plantar. E, nômades, simplesmente não conseguiam viver, por muito tempo, no mesmo lugar. Sem contar que eram dizimados por surtos de doenças vindas da Europa, sobretudo gripe e sífilis. “Os portugueses não têm índios amigos que os ajudam porque os destruíram todos”; sentenciou o grande pihay (“supremo pajé branco”) - assim era, para os nativos, o padre José de Anchieta (em Informação da província do Brasil).
Donatários das capitanias hereditárias, na rude lógica da colonização que então imperava, começaram a usar servis escravos africanos, mais acostumados aos trabalhos no campo. Aos poucos, nos engenhos de açúcar, passaram a tomar lugar dos índios. Sem contar que nessa terra, para eles desconhecida, e bem diferente dos nativos, não tinham para onde fugir. Nem lhes eram dados meios outros de sobreviver.
Essa prática era incentivada pela Igreja, no afã cego de converter suas almas impuras; e pela Coroa portuguesa, que desesperadamente precisava equilibrar suas contas. Por eles, pagavam os senhores altos impostos, três mil réis por cabeça, equivalentes a 5% do seu valor de mercado. Entre esses primeiros donatários estava Martim Afonso de Souza (1532), em São Vicente.
Também Pero de Góis (1533), em São Tomé; inclusive com registro de ter documento, por ele firmado, em que pede ao rei D. João III “dezessete peças de escravos, forros de todos os direitos e frete que soem pagar”. E Duarte Coelho (1535), em Pernambuco, que ao mesmo rei pediu “a importação direta da Costa da Guiné de 24 negros a cada ano”, ainda insistindo na isenção de impostos.
Esse número foi largamente aumentado, em 1559, por D. Catarina, viúva de D. João III e regente da Coroa portuguesa (na menoridade de seu neto, D. Sebastião), que permitiu trouxessem, de São Tomé, até 120 negros com taxas de impostos reduzidas em um terço. O número das importações crescia, mais e mais. Em 1570, já havia quase 3 mil deles.
Com a dominação holandesa o comércio foi intensificado com a conquista do Forte de São Jorge da Mina, no Golfo da Guiné, (1637); e mais tarde (1641) da ilha de São Tomé e da colônia de Angola (Cabinda, Pinda, Luanda, Benguela). De 1636 até 1645 chegaram a trazer 23.163 escravos. Mais de 2.500, por ano. No final do século XVII, eram já 500 mil. (Continua no próximo sábado)
*É especialista em Gastronomia e escreve toda semana neste espaço