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A chaga da escravidão (5ª parte)

Os africanos não comiam hortaliças, apenas jiló e quiabo - Da editoria de Arte


Mulatas dengosas caju e cajá!
Deitadas molengas em folhas macias!
Na sombra rajada das bananeiras lentas
Iluminadas por um sol-das-almas.

(Ascenso Ferreira)

Para as casas-grandes dos engenhos iam as escravas, sobretudo aquelas mais limpas, bonitas e fortes. Faziam todos os serviços da casa - arrumavam, costuravam, lavavam roupa, limpavam, passavam. Ajudavam suas donas a tomar banho e a se vestir. Também cuidavam das crianças e eram suas amas-de-leite - que senhoras de posse não se davam aos incômodos de amamentar e trocar fraldas sujas.

Aos senhores, nas horas vagas, também serviam em suas camas, essas mucamas, com o vigor daquelas carnes morenas e duras. Foram eles “que contaminaram as negras das senzalas. Por muito tempo dominou no Brasil a crença de que para um sifilítico não há melhor depurativo do que uma negrinha virgem”, segundo Gilberto Freyre (em Casa-grande&senzala). Mas foi sobretudo na cozinha que se destacaram.

Isso aconteceu na América do Sul apenas, rompendo a segregação absoluta que, por toda parte, marcou a colonização europeia. E eram tantas essas intimidades domésticas que causavam imensas desconfianças na Corte. O cozinheiro de D. Pedro II (de Portugal), Domingos Rodrigues (1637-1719, no último capítulo de seu monumental Arte de Cozinha - primeiro livro de culinária editado em Portugal (1680) - dá conselhos “muito necessários para a inteligência e bom exercício dessa Arte”.

Inclusive este: “A todos os Senhores, que de modo nenhum consintam nas suas cozinhas, a negros, mulatos ou qualquer cozinheiro que de sua criação ou inclinação for vil... porque hão de comer com muito pouca limpeza, e com muito risco na sua saúde, que assim mo tem mostrado a experiência de muitos anos, e o exercício dessa minha Arte”.
Mucamas cozinheiras trouxeram hábitos alimentares de sua terra distante. Muitos deles, pelas limitações e dificuldades, ficaram apenas guardados na memória. Para toda aquela gente, na África, caçar era ofício, divertimento e razão de orgulho. Conferia dignidade ao congo (caçador).

Lá, caçavam de tudo: ave, bode, búfalo, carneiro, crocodilo, elefante, girafa, hipopótamo, javali, lagarto, lebre, porco (selvagem), roedores em geral, tatu, zebra. Apreciavam também cães, cuidadosamente engordados para serem depois assados ou cozidos.

Desses animais comiam tudo “com exceção dos miolos em que não se tocam”, segundo Jean de Léry (1534-1611 em Viagem à terra do Brasil). Pescavam com arpão, flecha e luana (rede). Preferiam peixes e crustáceos (salgados e secos), postos primeiro no fogo e depois no sol. Carnes eram usualmente cozidas ou preparadas na brasa - diretamente sobre o fogo e também envolvidas em couro (de animal) ou folhas (de bananeira).

Para isso usavam varas apoiadas em cavaletes, uma espécie do moquém indígena. Sabiam ainda cozinhar no vapor e fazer defumados. Assim como os índios, desconheciam fritar, guisar e estufar. Leite não apreciavam, embora tomassem uma coalhada rústica.

Preferiam o alimento dissolvido - mingaus, pirões, papas de fécula e farinha de sorgo, que acreditavam dar mais sustança. Tudo temperado com pimenta. Como acompanhamento, muito arroz, presente em todas as refeições. Não comiam e não cultivavam hortaliças, com exceção de jiló e quiabo.

Gostavam de inhame - assado, cozido, transformado em farinha, acompanhando carne ou peixe. Além de frutas. Sobretudo melancia e banana. Alguns escravos eram capazes de comer até um cacho, por refeição. Usavam pouco sal e nenhum açúcar. Se divertiam tomando bebidas fermentadas, feitas de mel de abelha, sorgo ou de dendê.

(Continua no próximo sábado)

*É especialista em Gastronomia e escreve semanalmente neste espaço

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