A Festa da Pitomba
Durante toda esta semana, de 1 a 9 de abril, celebramos Nossa Senhora dos Prazeres, no Santuário da Padroeira, no Morro dos Guararapes. A Igreja foi doada pelo general Francisco de Menezes, em 8 de novembro de 1656. Em agradecimento à vitória da Batalha dos Guararapes, quando brasileiros e portugueses expulsaram do Brasil os holandeses. Em documento, assinado por ele, consta: “Neste altar deverá ser celebrada missa todos os dias santos, e todos os anos deverá exaltar Nossa Senhora dos Prazeres, com grandes festejos e muita pompa”. Assim tem sido. Tradição que chega a 361º edição. Sempre com missas, novenas, procissão. E a tradicional Festa da Pitomba. Deve o nome ao fato do local ser rodeado de pitombeiras e ser, nessa época do ano, a colheita dessa fruta tropical.
Só para lembrar, Pitomba (Eugenia lutescens) é fruto pequeno e arredondado, de cor amarelo-acinzentada. Sua casca é dura e deve ser partida com os dentes. Os índios preferiam fazer isso com ajuda de pedras ou mesmo chutando, primeiros prenúncios do gosto do brasileiro pelo futebol. Daí vem, na língua tupi, o próprio nome “pi’toma” - com o sentido de sopapo ou chute forte. A polpa é fina, transparente, carnuda, agridoce, e envolve todo o caroço (a semente), que é quase tão grande quanto a fruta. Na hora de chupar, todo cuidado é pouco - que esse caroço, às vezes, escorrega pela garganta. Na literatura, são muitos os exemplos de gente que passou mal engolindo o caroço. “De noite quando Jiguê queria pular na rede a companheira dele principiava gemendo, falando que estava empanzinada de tanto engolir caroço de pitomba”, escreveu Mário de Andrade (Macunaíma, 1928). “Aos sete anos, tendo engolido caroços de pitomba, veio-me doloroso embaraço intestinal”, recordava seu tempo de infância o escritor maranhense Graça Aranha, em seu último livro (Meu Próprio Romance, 1931). Minha avó lembrava sempre que era fruta muito indigesta. Mas valia a pena arriscar. No Norte a fruta é mais conhecida como pitomba-da-mata, olho-de-boi ou grão-de-galo. Pode ser consumida ao natural ou como ingrediente de licor, caipirinha e caipirosca - feitas com perfeição, por exemplo, no restaurante Beijupirá (Porto de Galinhas). Gilberto Freyre lembra que em Pernambuco, do início do século passado, se fazia “doce até de pitomba” (“Açúcar”, 1939). Hoje não mais.
Pitombeira é originária do Norte e Nordeste do Brasil - especialmente Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Não requer muitos cuidados. Apenas clima quente e úmido. A árvore é grande, podendo chegar até 15 metros de altura. Sua copa é frondosa e de muitos galhos. As flores pequenas, perfumadas e brancas, aparecem em cachos de agosto a outubro. As folhas e as cascas, por conterem muito tanino, são usadas nos curtumes para impedir que o couro, ao ser curtido, apodreça. Experiências recentes na Universidade Federal de Mato Grosso nos dão notícia de que uma proteína (Talisia esculenta lectin), extraída do seu caroço, é eficiente no combate a fungos que atacam as plantações de feijão, soja e milho. Os frutos amadurecem de janeiro a março. Pitombas são vendidas, na rua, em grandes cachos amarrados em feixe. Já sem os pregões de antigamente, anunciadas por vendedores que gritavam - “Ei, piripiripiripiripitomba! Menino chora para comprar pitomba! Ei pitomba!”. Hoje está em ditados populares - “Ora pitomba”, “Dançando mais que pitomba em boca de velho”, e até em músicas como “Asas de América”de Alceu Valença:
“Olaolô, morena flor de cheiro
Sai dessa roda e quebra esse cordão
te dou um doce, um cacho de pitomba
vem pro meu lado e sai da contra-mão”.
RECEITA: CAIPIRINHA DE PITOMBA
PREPARO: Coloque, em um copo, 6 pitombas descascadas. Junte uma colher de sopa de açúcar. Amasse com o socador. Complete com cachaça e gêlo. Decore o copo com uma pitomba descascada, espetada em palito.
*É especialista em Gastronomia e escreve toda semana neste espaço