A história do porco (3ª parte)
Na idade média a carne de maior prestígio, em toda a Europa, era a de porco. Em Portugal também. Além de saborosa essa carne definia, nos tempos da inquisição, cristãos (os que a tinham à mesa) e judeus (proibidos desse consumo). Porcos eram engordados com restos de comidas, na “corte” - nome dado a pocilgas situadas junto às casas. Sendo a matança desses porcos “exemplo supremo de festa lúdica”, segundo o antropólogo português Ernesto Veiga de Oliveira. Essa festa era carregada de simbolismo, significando fartura para a família, o ano todo. Fazia-se “o cozido da matança” com carnes frescas ou salgadas (rabo, orelha, barbela, focinho), além de enchidos (chouriço, linguiça, cacholeira e farinheira), de porco morto no ano anterior.
Na dieta dos doentes se prescrevia porquinho novo, “carne sem pecado”. Por ser consumida nos primeiros dias do luto, carne de porco era também conhecida como “comida de dó”. Ainda hoje é, por lá, preferência nacional - fresca, salgada, defumada, em forma de enchidos. Cada região tem sua receita especial - Açorda de Medrões (Trás-os-Montes), Arroz de Golada (Estremadura), Bucho Recheado (Alentejo), Cachola de Porco (Ribatejo), Cabidela de Leitão (Beira Litoral), Chouriço Mouro (Torres Nova), Debulho (Açores), Leitãozinho Assado (Mealhadas), Porco de Forno (Madeira), Sarrabulho (Entre Douro e Minho). Sem esquecer jeitos doces de fazer esse porco: Chouriço de Mel - temperando a carne com mel (Bragança); e Morcelas - lombo, sangue cozido e ralado, amêndoas, canela, banha e açúcar, recheando tripa de porco, tudo por fim defumado (Arouca). Prática comum também na Irlanda (black pudding), na Inglaterra (blood pudding) e na França (boudin noir)
Os primeiros porcos domesticados chegaram à América espanhola com Cristóvão Colombo. No Brasil, apenas com Martin Afonso de Souza, em 1532. Passando a carne mais clara, mais gorda e mais tenra daquele “porco rosa” a ser mais apreciada por nossos índios que a magra, escura e fibrosa dos similares nativos selvagens - antas, caititus, capivaras, queixadas e outros porcos-do-mato. Sem contar que, enquanto os da terra davam (quase todos) apenas uma cria por ano, os porcos europeus tinham ninhadas de até 12 filhotes. Eram economicamente mais aptos. Primeiros sinais de uma globalização que, séculos depois, se converteria em praga.
Do porco tudo se aproveita - carne (lombo, filé, carret, pernil, costela, paleta, pá), barriga (toucinho, banha, torresmo). Fígado, coração, língua, toucinho e sangue são ingredientes do sarapatel. Rabo, orelha, costela e pé (salgados ou defumados), da feijoada. Esse pé (cozido, e esfriado em sua gelatina) é também petisco muito apreciado na França (“pied de cochon”). Joelho, servido com chucrute, é prato típico alemão (“eisbein”). Do porco ainda se aproveita cabeça, miolos, nervos, cartilagens. E tripas, usadas na fabricação de enchidos; ou fritas, insuperáveis como tira-gosto. No Nordeste esse porco é também usado em doces - Chouriço (linguiça de sangue com açúcar e temperos) e o Doce de Chouriço (sangue de porco com rapadura, farinha de mandioca, erva-doce, pimenta do reino, gengibre pisado, cravo, castanha e banha de porco derretida; tudo no fogo até que solte do fundo da panela).
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