À mesa com o comissário Montalbano
O grande escritor italiano Andrea Camilleri, maior sucesso literário atual na Itália (e também série de TV), morreu mês passado, aos 93 anos. Suas histórias são passadas na Sicília (sua própria terra), em Vigàta, província de Montelusa - dois nomes imaginários que correspondem, no mundo real, a Porto Empedocle e Agrigento.
E o principal personagem de seus romances é o comissário Salvo Montalbano - homenagem que fez a Manuel Vasquez Montalban, escritor espanhol, criador do detetive Pepe Carvalho.
O Comissário Montalbano é uma pessoa comum, como tantas que conhecemos: mal-humorado, solitário e cheio de manias; mas também afetuoso e apreciador de boas conversas e boas leituras. Um personagem mais para o comissário Maigret (de Simenon) que para Sherlock Holmes (de Conan Doyle) ou Hercule Poirot (de Agatha Christie). E bem distante dos sofisticadíssimos policiais americanos de hoje, com inventos de todo tipo usados contra o crime.
Montalbano é também, e isso aqui nos interessa mais, um apreciador da boa mesa, com destaque para os pratos de peixe e frutos do mar, preparados por Adelina, sua cozinheira semianalfabeta; por amigos que gostam de cozinhar em suas casas; ou servidos em Tratorias - como a do Calogero (nos primeiros livros), que depois fechou, ou a do Enzo (nos últimos).
Come em horas incertas e, quando pode, se empanturra. Nesses momentos, caminha pelo cais próximo de sua casa. Para fazer a digestão, claro. Mas então, quase sempre, faz especulações filosóficas e existenciais. Tendo invariavelmente ao lado seu inseparável cigarro - valendo lembrar que o próprio autor, fumante contumaz, converte seus livros em trincheira na defesa do vício.
Montalbano não gosta de falar enquanto come. E tem sempre ao lado um bom vinho siciliano, quase sempre branco gelado. Sem contar que, depois de um bom jantar, não dispensa uísque.
Entre os pratos de sua preferência estão: Arancine - bolinhos feitos com resto do risoto, recheados de carne e queijo, passados na farinha, na clara do ovo e na farinha de pão, e depois fritos; Antipasto di Mare - com camarão, lula, mexilhão, polvo, vôngole (com limão, salsa e azeitonas pretas); Sarde a Beccafico - sardinhas recheadas com farinha de pão, pinoli, folha de louro, laranja, limão, azeite de oliva, sal e pimenta; Caponata - berinjela, azeitonas, alcaparras, vinagre, açúcar, amêndoas e molho de tomate; Triglie di Scogio fritte - salmonetes, limão, salsa, farinha, óleo, sal; Pasta al Nero di Seppia - talharim, tomate maduro, tinta tirada do polvo.
Além de olive a Passuluna - azeitonas pretas desidratadas no sal e depois acrescidas de azeite e orégano. Por fim, só lembrar que ele aprecia queijos variados, especialmente o cacciocavallo, com sabor semelhante ao provolone. A diferença está na preparação, que o caccocavallo leva um leite mais magro.
O nome vem do processo de secagem, em que os queijos são amarrados aos pares, por um barbante, e pendurados em uma vara de madeira “a cavallo” para secar. Mas seu prato preferido, que o faz delirar de satisfação quando chega tarde em casa e o encontra no forno, deixado por Adelina, é a Pasta ‘Ncasciata - que deve esse nome à casquinha de queijo que se forma depois de ser gratinada.
Com um gosto assim, igual ao de todo mundo, claro que Montalbano tinha que ser mesmo um sucesso. Pena que se foi. Fica sua obra.
RECEITA: MASSA ‘NCASCIATA
INGREDIENTES
300g de massa tipo maccheroncino, penne ou rigatone
400g de coalhada ou queijo mozzarella fresco (ralado)
400g de carne moída
½ xícara de vinho branco
100g de mortadela ou salame (fatiados)
4 ovos cozidos (fatiados)
4 berinjelas
200g de queijo pecorino (ralado)
8 xícaras de molho de tomate
1/4 de xícara de manjericão fresco
1 xícara de farinha de rosca
Manteiga para untar o refratário
PREPARO
· Cozinhe a massa al dente, escorra, misture com 2 xícaras de molho de tomate e reserve
· Frite a carne em azeite de oliva (só até ela perder a cor), junte o vinho e cozinhe até o vinho evaporar. Reserve
· Frite as berinjelas (bem escuras) - deixe a pele, corte em fatias ao comprido, passe sal em cada uma delas e deixe descansar por ½ hora. Tire o sal em água corrente (fatia por fatia), esprema para tirar o excesso de água, lave e esprema novamente. Frite em bastante óleo (bem quente). Retire e seque em papel toalha. Reserve
· Molho de tomate: 3 kg de tomate fresco sem pele e sem sementes (picados), 2 cebolas (cortadas em fatias finas), 3 dentes de alho (cortados em fatias bem finas) ¼ de xícara de manjericão fresco picado, sal, pimenta vermelha (ou tabasco), ½ xícara de azeite de oliva. Frite os tomates no azeite, em fogo baixo, junto com as cebolas e o alho, até que amoleçam. Tempere com manjericão, pimenta e sal. Reserve
· Unte um refratário com manteiga e polvilhe com farinha de rosca. Coloque a massa alternando camadas de carne moída, berinjela, manjericão, queijo ralado, ovo, queijo fresco (ou coalhada) e mortadela (ou salame). Sendo a última camada de berinjela; coberta com o molho e muito pecorino. Asse em forno quente por 30 minutos, aproximadamente, coberto com folha de alumínio. Retire a folha de alumínio e deixe no forno até formar uma crosta dourado-escura
*É especialista em Gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço