Amor-Perfeito
Conheça a história de um biscoito típico de Tocantins
O escritor Pedro Nava dizia que algumas palavras andavam sempre juntas. Para ele, decúbito era sempre dorsal, acendrado era sempre amor e ledo era sempre engano. E se certas palavras vivem pegadas, como ele pensava, outras então deveriam. Entre estas, com certeza, amor e perfeito. Não se trata, no caso, da paixão entre homem e mulher, que Fernando Pessoa definia como “a mais carnal das ilusões”. Nem daquela flor pequena, com pétalas de muitas cores - amarelo, azul, branco, laranja, marrom, roxo e vermelho. Mas de um biscoito típico do estado de Tocantins, presente em todas as festas tradicionais de lá, especialmente na do Divino Espírito Santo. Um sequilho que derrete na boca - branquinho, arredondado e cheio de pontas que ficam douradas quando assadas em forno de lenha. Mais parecendo, na forma, um dente gigante.
Biscoitos, só para lembrar, nasceram no tempo heroico das grandes navegações - quando argonautas, homens em busca de seus destinos ou aqueles que apenas queriam enriquecer se lançavam para além do “Mar Tenebroso”, na direção do polo sul; ou do “Mar Oceano”, que separava a Europa do que um dia seria o Brasil. E tudo começou pela necessidade de conservar o pão, alimento básico nessas viagens, por mais tempo. Não por acaso, fábricas de biscoito eram sempre construídas junto aos portos. Em Lisboa, por exemplo, só em duas delas, foram produzidos (entre os anos 1505 e 1507) aproximadamente um milhão de quilos. Por estar presente em todas as embarcações, eram conhecidos como “pão do mar” ou “pão náutico” - informa o padre Rafael Bluteau (1638-1734), no seu “Vocabulário Português e Latino”. Segundo a receita original, levavam apenas trigo, água e sal. E iam ao forno duas ou mais vezes, para desidratar. O próprio nome diz isso, que vem do latim bis coctus (cozido duas vezes). Esse nome se manteve em quase toda a Europa: bizcocho, em espanhol; biscotto, em italiano; biscuit (ou cookie) em inglês; biscuit, em francês - sendo biscuit, por lá, também massa de porcelana (cozida e não vidrada), usada para fazer delicados objetos de decoração. Ao Brasil, chegou com as primeiras embarcações. Na expedição de Cabral, vale o registro, cada um dos seus 1500 tripulantes tinha direito a 400 gramas diárias. Por aqui, sem que se saiba a razão, logo passaram também a ser conhecidos como bolacha. Depois foram se sofisticando nas casas-grandes dos engenhos, ganhado sabores e formas bem nossas. Usando ingredientes da terra e recheios ou coberturas de doces feitos com nossas frutas tropicais.
Voltando ao amor-perfeito, dificilmente algum biscoito será mais saboroso que ele. Tendo sua receita ainda a vantagem, no preparo, de levar poucos ingredientes - açúcar, leite de coco, manteiga, polvilho doce. Problema é não ser fácil de fazer. Requer experiência e técnica - segredos passados de mãe para filha durante séculos, e guardado com zelo pelas poucas doceiras da região. “O ponto da massa é que é complicado”, diz dona Zezé, de Porto Nacional. E “não é sempre que dá certo”, revela dona Naninha, de Natividade. Por conta disso, poucas cozinheiras estão hoje aptas a fazer esse biscoito, que corre o risco de se perder no tempo. O SEBRAE até já fez cursos para incentivar sua fabricação. Ele já é considerado Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado, assim como aconteceu com o empadão, em Goiás; o bolo Souza Leão e o bolo de Rolo, em Pernambuco; o acarajé, na Bahia; e o Pão de queijo, em Minas.
Faltando só dizer que biscoito também é cultura. Segundo mestre Mario Souto Maior, por exemplo, “biscoitar” é “surrupiar”, “apropriar-se astuciosamente do que é do outro”. E “abiscoitado” é alesado. Dando os tramites por findos, por tudo então, vale assim dizer que quem não for abiscoitado, aproveite para biscoitar um amor-perfeito. Vai valer a pena. “Tudo vale a pena”, toda gente sabe disso. Mas o amor-perfeito vale ainda mais.
RECEITA: BISCOITO AMOR-PERFEITO
INGREDIENTES:
1 prato de polvilho
750 g de açúcar refinado
400 ml de leite de coco
250 g de manteiga
PREPARO:
· Misture todos os ingredientes, colocando o leite de coco aos poucos. Amasse bem. Deixe descansar a massa.
· Separe pequenas porções da massa; e dê a forma do biscoito - redondo e cheio de pontas. Asse em forno de lenha.