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Bacalhau - preferência nacional

Gomes de Sá é uma das receitas mais tradicionais  - Da editoria de Arte

O bacalhau chegou ao Brasil com o colonizador português, na época dos Descobrimentos. Mas foi só quando veio a Corte portuguesa, no início do século XIX, que começou a ganhar prestígio. Até então, era privilégio de poucos.

Até que, em 1843, a Noruega fez a primeira exportação oficial de bacalhau (salgado e seco) para nossa terra. O veleiro norueguês Estrela do Norte chegou carregado com peixe. E voltou, carregado de café. Tanto sucesso fez por lá, esse café, que ainda hoje os noruegueses são os maiores consumidores de café brasileiro do mundo.

O que importa é que o bacalhau foi, aos poucos, se tornando preferência nacional. O Jornal do Brasil (em 1891) registrou que intelectuais daquele tempo, “liderados por Machado de Assis (1839 - 1908), se reuniam, todos os domingos, em restaurantes do Rio de Janeiro para, em ambiente de confraternização, saborearem um autêntico bacalhau do Porto”. Grande ironia.

Que o peixe com que se faz o bacalhau não é pescado nem no Porto, nem em nenhuma cidade da costa portuguesa. O local exato da pesca foi, durante muito tempo, segredo bem guardado pelos primeiros pescadores - os Vikings. Portugueses, espanhóis, franceses e ingleses vagaram pelos mares do norte, à sua procura.

Da Terra Nova (Canadá) às costas da Noruega. Dada sua expressão econômica, Portugal e Inglaterra firmaram acordo (em 1510), contra a França, tentando garantir o domínio dessa pesca. Por pouco tempo; que, em 1532, os ingleses perderam (para os alemães) o direito de pescar na Islândia. Em troca ganhando em 1585, de espanhóis e portugueses, o direito à comercialização do peixe.

Era uma pesca difícil. E acontecia, no Atlântico Norte, da mesma maneira. Todos os anos. Entre março e outubro - quando as noites são breves, a temperatura da água é mais elevada e os peixes vêm à superfície em busca do alimento abundante das águas rasas. Porto foi apenas a primeira cidade a receber o bacalhau pescado pelos portugueses em águas distantes. Por tradição cultural, o Brasil passou a identificar com esse nome, “Porto”, o bacalhau de melhor qualidade. E a apreciar, cada vez mais, receitas com bacalhau.

Quando se pergunta a um brasileiro qual a receita de bacalhau que mais lhe agrada, certamente a grande maioria dirá que é o Bacalhau à Gomes de Sá. E não sem razão. O prato é mesmo muito especial. Criação de José Luís Gomes de Sá Junior (1851 - 1926).

Ele nasceu no Porto (Portugal), ao pé do rio Douro. Na Freguesia da Igreja de São Nicolau, número 114 da Rua de Cima do Muro. Como se fosse premonição, a rua era mais conhecida como a dos Bacalhoeiros. A história desse obscuro personagem começa, no que nos interessa, quando recebeu, como herança do pai (Conselheiro Municipal e diretor do Banco de Comércio e Indústria), um armazém de bacalhau já falido. Só que seus dotes, para as artes do comércio, eram modestos.

E, também ele, acabou tendo o mesmo destino. Para sobreviver, passou então a trabalhar na casa comercial do amigo Bernardo da Silva Damaso. Um grande apreciador daquele peixe, Gomes de Sá usava seu tempo livre inventando receitas. Sem grande sucesso, é verdade. Mas só até quando preparou um bacalhau com azeitonas, batatas cozidas, cebolas, ovos e muito azeite. Para seu espanto, deu certo.

Tanto que o proprietário do Restaurante Lisbonense logo lhe pediu a receita. “Para agradar clientes exigentes” - explicou, ao fazer o pedido. José Luís escreveu a receita com um post-scriptum: “João, se alterar qualquer coisa desta receita já não fica capaz”. E o amigo João, ainda bem (para os dois e para todos nós), não mudou nada.

Em Culinária Portuguesa, de Olleboma (Antônio Maria de Oliveira Belo, 1872-1935), o prato pela primeira vez aparece entre os mais importantes do país. E, mais recentemente, o embaixador João Frank da Costa, Cônsul Geral do Brasil no Porto, até colocou placa na parede externa da casa na Rua dos Bacalhoeiros, com os seguintes dizeres: “Aqui nasceu José Luís Gomes de Sá, glória da culinária portuguesa. Homenagem de seus admiradores de Portugal e do Brasil, 1988”. Acabando nosso pobre José Luís, quem diria, imortalizado por conta de uma receita.

RECEITA: BACALHAU À GOMES DE SÁ

INGREDIENTES

1kg de bacalhau
500g de batata
½ vidro de azeite (preferencialmente de muito boa qualidade)
2 dentes de alho
2 cebolas
2 ovos cozidos
1 litro de leite
Azeitonas pretas, salsa, sal e pimenta

PREPARO

· Demolhe o bacalhau deixando em água e gelo, na geladeira, por 48 horas. De vez em quando, troque essa água

· Coloque o bacalhau em recipiente fundo. Cubra as postas com água fervente. Tampe e deixe fora do fogo, por meia hora. Escorra, retire peles e espinhas. Separe em lascas. Ponha essas lascas em novo recipiente. Cubra com o leite fervente e deixe assim, fora do fogo, por 2 horas

· Leve ao fogo panela com metade do azeite. Doure cebolas (cortada em rodelas) e alho (picado). Junte o bacalhau escorrido. Refogue. Tempere com sal e pimenta

· Arrume em pirex camadas de batata (cozidas e cortadas em rodelas), bacalhau, ovo e azeitona. Regue com o restante do azeite. Leve ao forno por 20 minutos. Retire do forno, enfeite com salsa e sirva

*É especialista em Gastronomia. Escreve toda semana neste espaço. 


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