Carnes de pena (2ª parte)
Em Portugal essa “carne de pena”, assim a descrevia Gil Vicente, sempre foi muito apreciada. No reinado de Dom Afonso II, o Gordo, (1211-1223), “A galinha valia dois soldos, o dobro de um cabrito” - segundo João Lucio de Azevedo (em Épocas de Portugal Econômico). Lei de 7 de janeiro de 1453, editada por Dom Dinis, dispunha: “Matar o próximo, desonrar-lhe a mulher, estuprar-lhe a filha - pagar de multa uma galinha ou mil e quinhentos módios”. Pena bem mais leve que ser degredado para África ou Brasil - destinada aos que “Usavam feitiçaria ou praticavam crimes místicos ou imaginários”. No século XVIII mereceu decreto do Marques de Pombal - ministro mais poderoso de Dom José I. Em que se ordenava fosse a carne de galinha base da alimentação dos doentes internados nos hospitais do reino - “os enfermos e febricitantes devem sustentar-se em mantimentos tênues e de digestão fácil”, explicava o regulamento. Galinha passou a ser privilégio de reis e enfermos. Algumas receitas são reproduzidas desde essa época. Galinha Alardada - envolvida com toucinho bem fino e assada no forno. Galinha Albardada - assada, cortada em pedaços depois passados em ovo batido e fritos na manteiga, sobre fatias de pão frita. Galinha Mourisca - cortada em pedaços e cozida em água bem temperada, arrumada na terrina sobre fatias de pão, com gemas, polvilhada com canela. E, mais famosa delas, a Galinha de Cabidela - que ganhou esse nome por ser feita com miúdos e extremidades, por lá conhecidos como “cabos”. Tão saborosa que passou a merecer fartas citações nos meios literários portugueses: de Camões - “Esses olhos são panela/ Que coze bofes e Baco/ Com toda a mais cabadela”; a Eça de Queiroz - “Maravilha cabidela de frango, petisco dileto de D. João IV, de que os fidalgos ingleses, que vieram ao reino buscar a noiva de Carlos II, levaram para Londres a surpreendente notícia”.