Carnes de pena (3ª parte)
Frango foi o prato predileto de Dom João VI (1769-1826), durante todo o tempo em que viveu no Brasil - 6 por dia, três no almoço e três no jantar, assados, acompanhados de pão torrado e laranjas. Comia usando os dedos e jogando os ossos no chão. Foi fiel a esse gosto, até morrer. Já Dom Pedro II preferia canja. Tomava todos os dias. Inclusive no camarote imperial, quando ia ao teatro. A cena foi assim descrita por Raimundo Magalhães Junior (em Artur de Azevedo e sua Época) - “Vinham elencos da Europa e o imperador Pedro II prestigiava as representações sem dormir ou bocejar, fazendo questão apenas de tomar uma canja quente entre o segundo e o terceiro ato, que só começava, por isso mesmo, ao ser dado o aviso de que sua majestade terminara a canjinha”. Daí a zombaria, em 1888, do teatrólogo Artur Azevedo - “sem banana macaco se arranja, mas não passa monarca sem canja”. Os portugueses aprenderam, em Goa, a receita dessa “kanji” - “água de expressão de arroz com pimenta e cominho a que chamam canja” segundo discrição de Garcia da Orta (1563). “Caldo de arroz”, como a chamou o jesuíta Manoel Godinho, um século mais tarde. Aos poucos foi caindo, essa galinha, cada vez mais no gosto popular. De todo tipo - guisada, assada, frita, à milanesa, à caçarola. Com feijão branco, grão-de-bico, fava, aspargos, pirão ou repolho e linguiça. Em pratos como risoto, pastelão, torta, fritada, salpicão, cuscuz, arroz, xinxim, vatapá, cozido, sarapatel de miúdo de galinha e galinha de cabidela.
Muito se escreveu sobre esses animais. Até na Bíblia, em relatos que contam a passagem em que Pedro, pescador de Cafarnaum, por três vezes na Paixão negou Jesus. Para Shakespeare, galo era “trombeteiro da manhã” (Hamlet, 1º ato). Edmond Rostand escreveu “Chantecler” (1910) - nome de galo que acreditava, com o poder de seu canto, fazer nascer o sol, todas as manhãs. Entrou em nossa cultura. Nenhuma outra palavra tem tantos significados, na língua portuguesa. “Galinha” é mulher que se entrega fácil. “Galinha morta” é mercadoria vendida por preço baixo demais. “Galinha verde” foi apelido dos integralistas, na década de 30. “Pé de galinha” são rugas nos cantos dos olhos. “Dormir com as galinhas” é dormir cedo. “Quando as galinhas criarem dentes” define uma situação que jamais acontecerá. “Galo” é pequena inchação na testa. “Galo de rinha” é individuo brigão. “Frango” é homossexual. E também gol com a bola passando debaixo das pernas do goleiro. Faltando só lembrar que o ossinho em forma de forquilha, que se encontra no peito da ave, chama-se “fúrcula”. Duas pessoas seguram essa fúrcula, uma em cada ponta, formulando desejos. Puxam até quebrar. Tendo seu desejo realizado aquele que ficar com o maior pedaço do osso. Mas isso é só superstição. Ou não?
Receita>
Canja de galinha
Ingredientes
1 galinha gorda (de preferência de capoeira)
Sal e pimenta-do-reino
Azeite
1 dente de alho
1 cebola picada
Coentro e cebolinho
2 L de água
2 folhas de louro
1 xícara (rasa) de arroz
1 cenoura picada (opcional)
Preparo
Lave e limpe a galinha. Corte em pedaços. Passe limão e água fervendo. Tempere com sal e pimenta a gosto.
Aqueça azeite em uma panela e refogue ligeiramente alho, cebola, coentro e cebolinho. Junte galinha, água e folhas de louro. Deixe no fogo até que a galinha esteja bem macia. Retire os pedaços da galinha e coe o caldo.
Leve novamente o caldo coado ao fogo, adicionando arroz (e cenoura cortada em cubos, se quiser). Quando o arroz estiver cozido, junte a galinha desfiada em pedaços grandes. Sirva quente.