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Cheiro de goiaba

Lecticia Cavalcanti - Cortesia

Pernambuco, e o Nordeste intei­ro também, enfrenta a maior seca dos últimos 60 a­nos. O cenário, sobretudo no A­greste, é devastador. Em Gra­vatá perdemos horta, jardim e algumas árvores do po­mar - entre elas mangueiras e goiabeiras. Dona Maria Lia, minha sogra, talvez para me deixar menos triste, até disse: “A goiabeira não é uma árvore muito bonita, plante outra que dê sombra”. O que me fez lembrar Gabriel Garcia Marques, em O general e seu Labirinto. Quando ele fala dos últimos dias do velho general venezuelano Simón Bolívar, o “Libertador das Américas”. Quando voltou a Mompox, depois de to­da uma vida cumprindo promessa que fez, em Roma, de combater os espanhóis. Voltou para se despedir. A cidade estava em ruínas. Ele também. Foi descansar no Colégio de São Pedro Apóstolo, “sobrado com um claustro monástico de samambaias e cravinas, que tinha nos fundos um pomar luminoso”. No quarto, pediu que “a janela ficasse do la­do dos pés, e não da cabeceira, para que pudesse ver nas árvores as goiabas amarelas e gozar de seu perfume”. No fim da tarde, “cedeu à tentação de apanhar uma das muitas goiabas. Embriagou-se um momento com o cheiro, deu-lhe uma mordida ávida, mastigou a pol­pa com um deleite infantil, sabo­reou-a por todos os lados e a engoliu pouco a pouco com um longo suspiro da memória”. E lembrou seu amor por esta fruta que tem, para ele, cheiro e sabor de passado. Saudades de um tempo que não volta mais. Talvez daí venha o título de outro livro seu, Cheiro de Goiaba - que fala da terra onde nasceu, dos a­migos de infância, de sua obra. A­lém do coronel Márquez e dona Tran­quilina, seus avós, da boca de quem ouviu quase tudo que escreveu.

Goiabeira é planta nativa da América tropical - sul da América Central e norte da América do Sul. O colonizador português não a conhecia. Mas foi como amor à primeira vis­ta. E logo passou a fazer parte do seu cardápio. Engraçado é que nossos índios, até essa época da coloni­zação, quase não faziam distinção en­tre goiaba e araçá. Por (alguma) se­melhança, na árvore e na fruta. Daí chamarem, essa goiaba, indistin­tamente, de araçaíba, araçá-guaçu, acoya ou, apenas, cayhab (em tu­pi, fruta com muitas sementes). Em cada região das Américas, tem um nome indígena diferente: xalxocotl (México), guajavos ou guajava (Peru e São Domingos), guava ou guayaba (Antilhas). A árvore, qua­se um arbusto, se adapta bem a to­dos os tipos de solo. Não é frondo­sa e raramente atinge os seis metros. A fruta varia no gosto, a partir de como se consome. Ao natural, me­lhor inchadas - mais duras e mais gostosas. Fora daí - doce, refresco, sorvete ou suco - recomendam-se as maduras. Por fora, são quase sempre iguais; mas, na cor da polpa, variam muito - do branco ao rosa escuro, do amarelo ao laranja-avermelhado.

Também os animais são irresisti­vel­mente atraídos por seu cheiro for­te - o que explica ter se propagado, rapidamente, por todo o continente. George Marcgrave (1610- 1648) assim escreveu, em Historia Naturalis Brasilae (1648): “Aqui as aves comem esses frutos. E os grãos que se achavam nos excrementos medraram e daí procriaram muitas árvores e se propagaram indefinida­mente, não havendo plantação em que não seja encontrada essa árvore”. Depois, navegantes a levaram para colônias africanas e asiáticas. E logo se espalhou por todas as regiões tropicais do globo. Só que, e sem que se saiba por que, em nenhum lugar são tão doces quanto por aqui. Não é possível pensar no Recife sem imaginar suas goiabeiras. Em todos os bairros. Em todos os lugares. Enfeitando o território de nossa infância.

Da goiabeira, tudo se aproveita. É remédio eficiente para muitos males: raízes para diarreia; folhas para dor de garganta, gengivite, úlcera de pele; botões florais para combater salmonela e shiguella; casca contra sangramentos e inflamações. Tem grande valor nutritivo: vitamina A para pele, mucosa, vista; vitamina B para o aparelho digestivo; vitami­na C para evitar hemorragias, infec­ções e ajudar nas cicatrizações. Mais cálcio, ferro e fósforo para a formação de ossos, dentes e sangue. Mas é, sobretudo, comida perfeita para quem quer boa saúde. Por ter pouco açúcar e caloria, para quem está condenado ao martírio (no caso doce) de emagrecer.

Seu sabor marcante logo a transformou em símbolo da arte dos doces pernambucanos: de corte, em calda, compotas, geléias, em pasta. Também está nos recheios do bolo-de-rolo, do bem-casado e do pastelzinho Lolita, todos nascidos nas casas-grandes dos engenhos de açúcar. Faltando só falar do casamento entre goiabada e queijo, uma combinação definida por Gilberto Freyre (em Açúcar) como “sabo­rosamente brasileira”. Acabou apresentada ao mundo como “sobremesa dos deuses”, por Assis Cha­teubriand, durante sua atribulada passagem como embaixador do Brasil em Londres. É, de longe, nossa sobremesa mais popular, por aqui conhecida como Romeu (o queijo) e Julieta (a goiabada). Só que neste nosso romance culinário tropical, e bem diferente da tragédia inglesa, nesse casamento tudo acaba bem. Muito bem.

Receita >
Torta de goiaba
- receita de Claude Troisgros

Ingredientes
Para a massa:
160 g de biscoito maisena (passado no processador), 80 g de manteiga, 80 g de açúcar, ½ colher de chá de canela, sal.

Para o recheio: 600 g de cream cheese Philadelphia, 220 g de creme de leite fresco, 120 g de açúcar refinado, 3 ovos

Para a calda de goiaba: 500 g de goiaba madura, 200 g de açúcar, suco de um limão.

Preparo
Massa: misture tudo com a mão. Coloque no fundo de uma forma de aro removível e deixe na geladeira por uma hora.

Recheio: Bata o creme cheese na batedeira, junte o creme de leite e o açúcar, aos poucos. Acrescente os ovos e bata até que fique um creme homogêneo. Despeje na forma forrada com a massa e leve para assar a 100º , por uma hora e meia. Depois leve à geladeira.

Calda de goiaba: Descasque a goiaba e fatie. Leve ao fogo brando junto com o açúcar e o suco de limão. Deixe cozinhar até ficar com uma consistência pastosa. Espere esfriar e bata no liquidificador, peneirando em seguida.

Montagem: Cubra com a calda de goiaba, decore com fatias de goiaba e folhas de hortelã.

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