Conto de Fadas
Sábado passado, Dia das Crianças, homenageamos todas as crianças. E eu, especialmente, meus netos queridos - Luíza, Leticia, José e Antônio (que chega em Janeiro). É tempo também de lembrar esse período mágico de nossas vidas, que nos acompanha sempre. Cada um de nós guarda, na memória, histórias que ouviu de pais, avós ou tias.
Lendas antigas, quase todas, adaptadas pelos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm ou por Charles Perrault. Nelas estão sempre juntos, expressando a própria dualidade da natureza humana, o bem e o mal, o belo e o feio, trabalho e preguiça, sonho e realidade, tristezas do passado e promessas do futuro.
Além de um cortejo, hoje fora de moda, reunindo bruxas, duendes, fadas, madrastas ruins, enteadas inocentes, princesas que sofrem e príncipes encantados em busca do verdadeiro amor. Essas histórias retratam uma época - costumes, trajes, vícios, virtudes. Sabores também. Com os alimentos, muitas vezes, influenciando a caracterização do próprio personagem.
Branca de Neve, por exemplo, cumpriu seu destino ao provar maçã envenenada, oferecida pela madrasta, disfarçada de velhinha indefesa. Inconformada por ser, aquela menina de olhos pretos e lábios vermelhos, a mais bonita do reino. E sabia disso porque perguntava, a um espelho mágico - “espelho meu, espelho meu, existe alguém mais bela do que eu?”, todos lembram isso.
Enquanto Cinderela cruzou com uma fada boa, que transformava trapos em vestidos de festa, ratos em cavalos e abóboras em carruagem. Foi a uma festa, perdeu o sapato e acabou casando com o príncipe. Por falar nisso, essas duas heroínas - uma branca como a neve, outra de pés bem pequenos, segundo se supõe, eram mesmo chinesas.
Primeiros prenúncios de uma China que depois explodiria, em um mundo já globalizado. Voltando aos contos, temos também a Bela Adormecida - que, dormindo, esperou quase cem anos por um beijo de amor. Culpa de outra fada, agora vingativa, que não foi convidada para o banquete oferecido pelo pai no dia de seu nascimento.
Chapeuzinho Vermelho atravessou a floresta para levar, a uma avó doente, cesta com broa, manteiga e geleia; sendo essa avó, e ela própria, devoradas por um lobo mau e faminto. Depois um lenhador matou esse lobo e tirou, de dentro de sua barriga, a velha e a neta. Vivinhas, bom lembrar. Nada a estranhar.
Se Jonas viveu dias dentro de uma baleia, por que não poderiam as duas descansar dentro dos intestinos de um lobo? Já o Pequeno Polegar, apesar do tamanho, era um menino esperto que usava migalhas de pão para marcar o caminho de volta para casa. João e Maria foram seduzidos por uma casa feita de biscoitos, chocolates e doces.
Enquanto outro João plantou grãos mágicos, à noite, que de manhãzinha se transformaram em um enorme pé de feijão. Aproveitou, e subiu nele até o céu. Para recuperar a galinha dos ovos de ouro e o saco de moedas de seu pai que o gigante havia roubado.
Não só reis e princesas são personagens dessas histórias. Também os bichos, em fábulas imortais. Como a cigarra saltitante, que passa o tempo cantando pelo bosque, sem se preocupar com o futuro. Enquanto a formiguinha guardava comida para o inverno, depois salvando aquela cantora com uma “sopa quente e deliciosa”.
Ou a vaidosa raposa que, não reconhecendo suas próprias limitações, desistiu dos cachos de uvas pretas e maduras. Ou a Galinha Ruiva, que cansou de pedir ajuda aos amigos (o cão, o gato, o peru e o porco) para plantar um grão de milho, semear, debulhar, moer a farinha, preparar e assar esse bolo; só não faltando, esses amigos, quando se tratou de degustar o bolo. Personagens, todos eles, com características que identificamos em pessoas à nossa volta.
Walt Disney, já no séc. XX, seguiria nessa trilha; e, em “A Dama e o Vagabundo”, desenhou a cadelinha Lady se apaixonando por um vira-lata que a leva para jantar nos fundos da cantina italiana do amigo Tony - onde comem, no mesmo prato, uma deliciosa macarronada e dão o primeiro beijo. Inocente, é certo, próprio dos filmes censura livre. Em nada lembrando aquele tórrido, de Déborah Kerr e Burt Lancaster, em A um Passo da Eternidade.
Popeye era um marinheiro de braços fortes, apaixonado pela magrela Olívia Palito. O mesmo que, para enfrentar seu inimigo Brutus, consumia quilos de espinafre. Enquanto o coelho Pernalonga gostava era de cenouras; e, talvez, por isso, não tinha medo de nada nem de ninguém. Mais tarde, esse coelho cinzento foi escolhido, nos Estados Unidos, como o melhor personagem de desenho animado de todos os tempos.
Entre essas histórias, vale por fim lembrar o mais moderno de todos os contos de fadas - “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. Dele falaremos depois. Esperando que todas as crianças do mundo tenham tido um feliz Dia das Crianças!
P.S. Haverá algum dia, nesse mundo de Deus, que não deva ser das crianças?
*É especialista em gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço