Doce confinamento
Impedida de ver os netos por razões óbvias, neste tempo de confinamento, encontrei um jeito de estar perto deles. Mandando, diariamente, algum doce. É que doce e afeto andam sempre juntos. Fazem parte do confort food (comidas que nos dão conforto) – assim são mais conhecidas. O termo nos veio dos Estados Unidos e só recentemente foi incorporado ao vocabulário de todos os gourmets. O movimento, aos poucos, virou moda no mundo todo. Como forma de resgatar comida simples, em contraponto às industrializadas. Entre todos os bolos, que tenho mandado para os netos, o que tem feito maior sucesso é um bolo tradicional americano – o brownie. Embora sem registros seguros de quando surgiu, de quem o criou e de por que recebeu esse estranho nome. Para uns, viria de um biscoito de melaço registrado (em 1896) por Fannie Merritt, no seu Cooking-school cook book. Na edição seguinte do livro (1906), a autora dá receita diferente, já semelhante ao brownie como o conhecemos hoje. Só que já havia sido servido bolo muito parecido (com calda açucarada de damasco e nozes) bem antes disso, em Chicago, durante a feira mundial Columbia Exposition (em 1893), por ocasião da celebração dos 400 anos da descoberta do Novo Mundo. Para outros, surgiu ainda mais tarde, ao tempo da Primeira Grande Guerra. A popularidade foi imediata. Por ser fácil de preparar e econômico, com ingredientes (apenas cinco) que qualquer pessoa tem em casa – açúcar, chocolate, farinha, manteiga e ovos. Aos poucos, a receita foi se sofisticando com o acréscimo de novos ingredientes – café, castanha, frutas secas, nozes, mais licor ou uísque. Para Randi Danforth (em The United States – a culinary Discovery), “trata-se de uma receita que não deu certo”. E parece mesmo. Como se o bolo não tivesse terminado de assar. Por ser muito mole por dentro e não crescer (dado não levar fermento). The Encyclopaedia of American food and drink, de John Mariani, atribui essa invenção a uma dona de casa de Bangor (Maine), que teria simplesmente esquecido de acrescentar fermento à mistura; e que depois, mesmo percebendo não haver ela crescido, a retirou do forno, cortou em quadradinhos e serviu.
Com relação ao próprio nome, a confusão é também grande. Teria vindo de sua cor escura, brown (marrom) – por levar, na massa, muito chocolate. Ou seria referência à inventora da receita, certa Mildred Brown, que tinha o apelido de Brownie. Ou, ainda, por conta do autor Palmer Cox – que publicou, em 1887, o livro The brownies, their book. Brownies, no caso, seria não o bolo; mas homenzinhos (bem pequenos mesmo) conhecidos como Brownies que, juntos, resolviam qualquer dificuldade. E tanto sucesso fez o livro, entre as crianças, que as agências de publicidade aproveitaram e batizaram vários produtos com esse nome – doces e biscoitos de chocolate da empresa Sears, Roebuck and Company, brinquedos e até uma câmera fotográfica da Kodak. Seja como for, todos temos lembrança de ao menos um doce (bolinhos, biscoitos, geleias) feito por alguém que queremos bem. E sempre que experimentamos, novamente, na idade adulta, têm o poder mágico de nos levar de volta à infância quando “as preferências do paladar são formadas e condicionadas”, segundo Freyre. É que olfato e paladar, segundo Proust, têm “a função de convocar o passado”. Espero, então, que meus netos guardem na memória, desses tempos tão difíceis e tristes, apenas o sabor dos doces preparados pela avó com pitadas de carinho, afeto e bem querer.
RECEITA: BROWNIE
INGREDIENTES:
4 ovos
250 g de farinha de trigo
200 g de açúcar mascavo
200 g de açúcar refinado
150 g de nozes
100 g de chocolate amargo em barra
120 g de chocolate ao leite em barra
200 g de manteiga
PREPARO:
• Na batedeira, misture os ovos com o açúcar. Depois junte o chocolate derretido junto com a manteiga (em banho-maria) e a farinha de trigo. Misture bem.
• Coloque em assadeira untada com manteiga e forrada com papel-manteiga. Leve ao forno pré-aquecido a 180º C, por aproximadamente 25 minutos.
*É pesquisadora de Gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço