Enfiar o pé na jaca
Pé na Jaca já foi até título de telenovela (2006). É que as boas relações entre novelas e sabores vêm de longe. Desde quando os Estados Unidos, no começo do século passado, tomaram gosto com o que chamaram “soap-operas” - literalmente, “opera dos sabões”. Um nome em verdade, mais ligado aos patrocinadores - quase todos, naquele tempo, fabricantes de sabões e sabonetes. Com as tramas quase sempre se passando em torno das mesas - um tempo em que famílias jantavam sem pressa e conversavam. Na televisão brasileira, essa proximidade se vê nos próprios títulos dessas novelas: “O Feijão e o Sonho” (1976), “Feijão Maravilha” (1979), “Marron-glacé” (1979), “Pão-pão beijo-beijo” (1983), “Salsa e Merengue” (1996), “Chocolate com Pimenta” (2003). E, também, “Pé na Jaca”. Lembrando que enfiar o pé na jaca é cometer excessos. É não avaliar bem. A expressão vem, provavelmente, do hábito de usar o visgo da fruta para pegar passarinhos desavisados. Mas jaca faz parte também da nossa melhor coleção de sabores.
Jaqueira é árvore nativa do sul da Índia. Seu nome científico é Artocarpus heterophillus - do grego “artos” (pão), “karpos” (fruto), “heteron” (distinto) e “phyllus” (folha). Indicando, até no nome, que suas folhas são diferentes das que tem seu parente o fruta-pão (Artocarpus altilis). Ao Brasil chegou por volta do séc. XVII, trazida pelos portugueses. Por ter sido plantada na Bahia, muitas vezes é chamada “jaca-da-bahia”. O nome do fruto vem do malaio chakka. A árvore cresce muito, podendo chegar a 20 metros de altura. A copa é densa e oferece boa sombra. Os frutos nascem grudados ao próprio tronco, pesando entre 5 e 20 kg. Nenhuma outra árvore dá maiores. Só que em verdade não se trata de uma fruta só; que a jaca, como a conhecemos, é a soma dos ovários de muitas flores reunidas - formando bagos de cor amarelada, envoltos por uma camada grudenta. A casca, bem grossa, é cheia de picos. E a polpa cremosa, amarelada, envolve os grandes caroços. O sabor é doce e tem cheiro forte - anunciando, desde longe, que o fruto está maduro. Podem ser de dois tipos. Uma é a jaca mole (ou “manteiga”), sempre só consumida ao natural, ainda exigindo cuidados porque escorrega pela garganta e pode engasgar. Outra, bem mais popular, é a dura - que, saborosa como a mole, pode também ser usada em geleias e em doces.
Na Índia, na Malásia e no Paquistão, acabou ingrediente de pratos salgados requintados. Sem contar que seus caroços são, por lá, considerados iguarias - cozidos, assados ou como ingrediente de sopas. Aqui, preparamos, esses caroços, cozido e com sal. Mas se for fazer, é bom não esquecer de antes dar um talho para, quando fervido, deixar sair o tanino - ficando, assim, mais macios e mais fáceis de descascar. A madeira da árvore é usada na fabricação de móveis e sua resina tem propriedades cicatrizantes. Na gíria do Nordeste “jaca-mole” se diz de gente abobalhada. E “cortar-jaca” é ajudar o namoro de alguém. Ou bajular. Foi por conta dessa bajulação, no caso ao Governador Carlos de Lima Cavalcanti (1935), que um trecho da Avenida Boa Viagem (onde ele veraneava) acabou conhecido como “Corta Jaca” - imediações da Casa Navio, hoje edifício Vânia. Bom lembrar que por esse tempo Boa Viagem era uma praia de veraneio - formada por sítios grandes. Só foi urbanizada e dividida em lotes, na década de 50. Sem esquecer que “Corta-jaca” é também nome de tango de Chiquinha Gonzaga - “Neste mundo de misérias/ quem impera/ é quem é mais folgazão./ É quem sabe cortar a jaca/ nos requebros/ de suprema perfeição, perfeição”. Dizem até as más línguas que a mulher do presidente Hermes da Fonseca, em 1914, em festa no Palácio do Catete cantou a música; merecendo logo protesto, em discurso, do senador Rui Barbosa. Por fim recomendando só cuidado. Muito cuidado. Não enfie nunca o pé na jaca.
RECEITA: DOCE DE JACA EM CALDA
INGREDIENTES: 1 jaca dura, açúcar e água.
PREPARO:
· Parta a jaca ao meio e retire os caroços dos bagos.
· Coloque a água no fogo e nela ponha os bagos da jaca. Deixe até que ferva. Retire do fogo.
· Em uma panela coloque jaca, açúcar (mesmo volume da jaca) e um pouco de água. Deixe no fogo até que os bagos estejam cozidos, e a calda ainda rala.
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