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João Cabral, o catador de feijão

Escritor teria feito 100 anos - Greg

Quinta-feira passada, 9 de janeiro, o diplomata (por profissão) e enorme poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto faria 100 anos. Devemos, então, reverenciar este que é consensualmente considerado um dos mais importantes nomes da literatura brasileira e mundial. Lembrando que sua poesia é fortemente influenciada pelo lugar onde nasceu.

Por lá, “Tudo passa ou já passou:/ O presente e o passado/ E o passado anterior” (O Motorneiro de Caxangá). Levando com ele, por onde andou, os rios de sua aldeia. “Pensei que seguindo o rio/ Eu jamais me perderia:/ Ele é o caminho mais certo,/ De todos o melhor guia”(O Rio). E os sabores de sua terra: “Trago abacaxi de Goiana/ E de todo o Estado rolete de cana./ Eis ostras chegadas agora, apanhadas no cais da Aurora./ Eis tamarindos da Jaqueira/ E Jaca da Tamarineira./ Mangabas do Cajueiro/ e cajus da Mangabeira./ Peixe pescado no Passarinho,/ carne de boi dos Peixinhos./ Siris apanhados no lamaçal/ Que há no avesso da rua Imperial./ Mangas compradas nos quintais ricos/ do Espinheiro e dos Aflitos./ Goiamuns dados pela gente pobre/ da Avenida Sul e da Avenida Norte” (Morte e Vida Severina).

Sua poesia, quase sempre, passa “por um lugar de carência, é uma escrita que está o tempo todo ao ponto de explodir, como um vulcão quase em erupção”, segundo o jornalista Mario Hélio. “Somos muitos Severinos/ Iguais em tudo na vida, / Morremos de morte igual, / Mesma morte severina:/ Que é a morte que se morre/ De velhice antes dos trinta, / E emboscada antes dos vinte, / De fome um porco por dia” (Morte e Vida Severina). Compreendendo bem o espírito de nossa gente, que “É tão belo como a soca/ Que o canavial multiplica./ Belo porque é uma porta/ Abrindo-se em mais saídas./ Belo como a última onda/ que o fim do mar sempre adia./ É tão belo como as ondas/ em sua adição infinita”(Morte e Vida Severina).

Para ele poesia, mais que inspiração (em razão do sentimento), é sobretudo transpiração, “fruto de trabalho paciente e lúcido do poeta”. Chegou até a comparar o ato simples de catar (escolher) feijão com o ato complexo de escolher (catar) palavras para um poema. Para ele o poeta faz, exatamente, como o catador de feijão. Assim está em Catar feijão:

“Catar feijão se limita com escrever:
Joga-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
E depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
Água congelada, por chumbo seu verbo:
Pois para catar esse feijão, soprar nele,
E jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
O de que entre os grãos pesados entre
Um grão qualquer, pedra ou indigesto,
Um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
A pedra dá à frase seu grão mais vivo:
Obstrui a leitura fluviante, flutual,
Açula a atenção, isca-a como o risco”.


Por tudo, então, é mesmo tempo de celebrar este gênio da nossa terra. E dizer, com o coração, Viva João Cabral!

*É pesquisadora de gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço

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