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Mais bacalhau

Como complemento, quase sempre arroz e batata - assadas, cozidas ou como purês

Pratos com bacalhau do tipo norueguês - Divulgação

Mês passado (10 de dezembro) escrevi aqui sobre a importância do bacalhau para o português, prometendo continuar no artigo seguinte. Mas aí veio o Natal, o dia de Reis e só agora cumpro a promessa. Lembrando que são mais de 1.200 receitas de bacalhau catalogadas, de todo tipo: cru, cozido, frito, assado no forno ou na brasa, guisado, grelhado, gratinado, estufado, como recheio de empadas e crepes. Sempre com muito azeite, azeitona, louro, noz-moscada, pimenta (verde, branca ou preta). E mais alho, cebola, coentro, couve, hortelã, salsa, pimentão, poejo, tomate. Como complemento, quase sempre arroz e batata - assadas, cozidas ou como purês. O pão se mistura ao bacalhau nas “migas” (o nome vem de migalha - pedaços pequenos de pão ensopados em caldo, com aspecto de papa) e nas “açordas” (caldo transparente, temperado com salsa e alho, que se despeja sobre fatias desse pão). 

Algumas receitas acabaram ganhando nome de seus criadores. O mais famoso deles é o Bacalhau a Gomes de Sá. Também à Brás (tasqueiro do bairro Alto, em Lisboa), à João do Buraco (apelido de João Pereira), à Margarida da Praça (cozinheira do primeiro restaurante de Viana do Castelo), à Narcisa (eximia cozinheira de Braga), à Zé do Pipo (dono de restaurante no Porto). Outros tiveram nomes dados em homenagens à nobreza - Bacalhau à moda aristocrata, à Conde da guarda, à Fidalga; ou em honra de profissões - à Alfaiate, à Congregado (os que participavam da congregação religiosa dos marianos), à Fragateiro, à Lagareiro (os que trabalham em lagares, tanques onde se espremem azeitonas destinadas ao fabrico de azeite), à Marinheiro.

Também lembrando gente de prestígio: à Batalha Reis (exímio enólogo, amigo de Antero de Quental e de Eça de Queiroz), à Pardal Monteiro (importante arquiteto modernista), à Afonso Costa (Ministro da Justiça de Teófilo Braga, para Pessoa “Lênin de capote e lenço”, “louco”, “traidor”, “vil” e, como não fosse pouco, um “sapo”. Sem esquecer o à Salazar - com ironia, por não levar azeite, na receita  “já que grosso não precisa e magro não merece”. O mesmo de quem o mesmo Pessoa, com muita raiva,  dizia “Este senhor Salazar, é feito de sal e azar”. Ou ligados a festas religiosas: Consoada (também chamado “Bacalhau cozido com todos”, normalmente servido na véspera de Natal - com muito azeite, vinagre, alho, batata, couve, ovo) e Roupa-velha (quando se corta em pedaços o que sobrou da consoada, servido no almoço do dia de Natal). Enfim, bacalhau há para todos os gostos, ora pois.

O mais popular entre brasileiros, sem dúvida, é o bacalhau à Gomes de Sá. Uma invenção de José Luís Gomes de Sá Junior (1851 - 1926), nascido à freguesia de S. Nicolau, Porto - no número 114 da Rua de Cima do Muro, mais conhecida como “dos Bacalhoeiros”. Seu pai, Conselheiro Municipal e diretor do Banco de Comercio e Indústria, dinheiro ganhava mesmo era no comércio do bacalhau. E, com a morte desse pai, coube como herança a José Luís, o seu armazém. Só que, sem dotes para a arte dos negócios, logo acabou falindo. Então, para sobreviver, andou trabalhando na casa comercial do amigo Bernardo da Silva Damaso.

rande apreciador daquele peixe, ficava sempre inventando receitas novas; até quando, um dia, resolveu preparar dito bacalhau misturado com azeitona, batatas cozidas, cebola, ovos e muito azeite. Sucesso absoluto; tanto que um amigo, proprietário do Restaurante Lisbonense, logo lhe pediu a receita - para agradar clientes exigentes, como explicou ao fazer o pedido. José Luís escreveu então a receita em um pedaço de papel, com o seguinte post-scriptum: “João, se alterar qualquer coisa desta receita já não fica capaz”. E o amigo João, ainda bem, não mudou nada na receita. Em “Culinária Portuguesa” (1936), de Olleboma (Antonio Maria de Oliveira Belo), o prato pela primeira vez apareceu entre as receitas…
 

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