Mais milho
Colunista resgata a história do milho e sua influência nas diversas culturas
No último artigo (11.06) falamos sobre o milho em uma “culinária de São João”. E começamos por dizer da importância que tinha para as culturas das Américas do Norte e Central, sobretudo Incas do vale do Tehuacán (México), Maias e Astecas. Indicando ainda que o colonizador português, a princípio, não lhe deu valor. E só depois, aos poucos, acabou por reconhecer sua importância. E como o mundo civilizado da época, sobretudo Europa, recebeu essa novidade? O milho atravessou o Atlântico a bordo de caravelas, junto com batata, cacau e tomate. Desembarcou no Paço dos Reis (Espanha) e dali foi mandado para norte da África e Oriente Médio. Mais tarde chegou ao resto da Europa. E foi ganhando nomes nessa caminhada. Na Turquia, por exemplo, era roums (grão estrangeiro). Na Itália, granturco (grão da Turquia). Na Inglaterra, Indian corn (grão da Índia) - sendo corn uma palavra largamente usada, na Europa renascentista, para nomear qualquer partícula de cereal. Mantendo-se, entretanto, na Espanha, como maiz - assim como aprenderam, com os índios, Colombo e seus homens.
Ocorre que esse milho não causou, na dieta europeia, o impacto que tinha nas culturas americanas. Exceção apenas para o norte da Itália, onde passou a ser usado na polenta - uma receita que remonta ao pulmentum romano, alimento da gente mais humilde. Por toda parte, no começo, foi assim. Inclusive em Portugal. “Milho é o mantimento mais ordinário para gente vulgar, quase em toda Beira e Entre-Douro-e-Minho”, assim escreveu o historiador português Manuel Severim de Faria (1582-1655) em Notícias de Portugal. Em seguida foi ganhando importância. E aparece em receitas como broa, mexuda (caldo com farinha de milho e couves), papas com carne (uma receita de Trás-os-Montes, em que primeiro se cozinham carne, presunto, chouriço moído, porco, para só depois acrescentar farinha de milho), papas com coquilles ou sardinhas (no Algarve), papas de milho frito (servidas na Ilha da Madeira, como acompanhamento de pratos salgados ou doces) ou papas com leite e açúcar (servidas como sobremesa). E foi assim que a Europa, devagar e aos poucos, acabou se curvando aos encantos do milho americano.
Um leitor da coluna pergunta se, em algum outro lugar, se celebra o São João com milho. Respondo dizendo que não, que nossa culinária de São João é única. Diferente de todos os outros lugares. E foi nascendo a partir da fusão de experiências indígenas, africanas e portuguesas. A tradição de festejar o santo chegou aqui com os primeiros colonos. E de todas as festas religiosas, bom lembrar, era a mais apreciada pelos índios. Talvez por conta das fogueiras que se espalhavam nas aldeias. Mas não existe, em Portugal, uma culinária típica dessas festas. “Sob o ponto de vista alimentar é uma quadra pobre e pouco caracterizada, sendo mesmo raras as áreas em que se assinale qualquer manjar específico”, ensina o pesquisador e fundador do Centro de Estudos e Etnologia, Ernesto Veiga de Oliveira. Nas mesas portuguesas estão sempre os mesmos pratos de todos os grandes festejos de cada região - anho (cabrito), bacalhoada, bife de vitela, caldeirada, caldo-verde, carneiro, febras de porco, leitão, pataniscas de bacalhau, sardinhas assadas, sopa de grãos. Como sobremesa arroz doce, bolo capela de São João, nógados, poprias caiadas e de Alcântaras, queijadas, tabuleiros de bolachas. Aqui para nós, leitor amigo, nossos irmãos portugueses não sabem o que estão a perder.