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O leite doce/ doce de leite

Doce de leite - Leo Motta/Folha de Pernambuco

 

Todos os mamíferos se alimentam de leite. Mamífero vem de “mama”(peito). Já leite vem do latim “lactis”(seiva). A palavra se manteve, nas línguas dessa família – “latte”(italiano), “lait”(francês), “leche”(espanhol). Mas não nas anglo-saxônicas, inspiradas no indu “meolc”(ordenhar) – donde “milk”(inglês) e “melki” (alemão). O nome pode mudar, como vimos. Só não muda é seu valor, cantado em prosa e verso desde muito. No Alcorão, Maomé diz ser “dádiva de Deus aos homens e aos animais evoluídos”. Canaã, a Terra Prometida dos hebreus, é lugar onde “mana (verte) leite e mel” (Êxodo 3,17). No princípio, chegou a ser alimento sagrado – por vir do próprio corpo, depois do parto. Durante séculos foi apenas isso, alimento de recém-nascido. E remédio. Hipócrates (460-377 a.C), pai da medicina, recomendava aos gregos dois cálices de “leite da mulher que tiver filho varão”, para curar insônia e variação de humor. Galeno (129-199), em seu tratado de anatomia, recomendava compressas de leite para diminuir tumores e cicatrizar feridas. Sem contar que ele também reduz mancha roxa, espinha, cravos e olheira (compressa de nata de leite de vaca); sardas (esfregando limão com leite); acalma a tosse e afrouxa o catarro (leite queimado); e ainda elimina lombriga (inalando vapor de leite fervendo).
Em Portugal, o Rei D. Duarte (1391-1438), “O Eloquente”, aconselhava “leite quente, todos os dias, para evitar a peste”; além de revelar fórmula, aprendida com seus antepassados – “para dor d’olhos, leite de mulher parideira na quantidade suficiente para encher uma casca de noz”. Tudo como está documentado no “Livro dos Conselhos de El-Rei D. Duarte”. E outro Rei de lá, o Cardeal D. Henrique (1512-1580), tão fraco andou que se serviu de leite tomado em peito de mulher, servindo-lhe como ama D.

Maria da Mota, de nobre prole. Aos poucos, esse leite foi ganhando prestígio. Até como bebida revigorante. E logo vieram subprodutos. Porque seu transporte, por longas distâncias, levava a que coalhasse, assim nascendo coalhadas, manteigas e queijos.
Com o tempo, leite passou a ter também lugar na cozinha. Primeiro, na preparação de pratos doces. A mais antiga referência a essa prática, em Portugal, nos vem de um estranho doce feito com alho-poró, documentado nos idos de 1367, “porrada de leite, e pão com porros” – transcrita por Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo em seu “Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal antigamente se usaram, e que hoje regularmente se ignoram”(1798). Esse mesmo leite aparece também no mais antigo livro de culinária portuguesa, o da Infanta D. Maria (1538-1577), no capítulo “Caderno dos Manjares de Leite” – com registros de pastel de leite, tigeladas de leite, tigeladas de leite de D. Isabel de Vilhena, bilhós de arroz. E leite cozido com açúcar, também – só que, no caso, mais tentativa de conservar dito leite que receita de doce propriamente dita. Importante no caso é que assim, provavelmente, nasceu o doce de leite.

Indiferentemente pastoso ou sólido. A receita chegou ao Brasil com os primeiros colonos. E tanta é a importância desse doce, na nossa culinária, que, todos os anos, um Concurso Nacional de Produtos Lácteos (em Juiz de Fora) escolhe o melhor doce de leite do Brasil – sendo campeão tantas vezes o produzido pela Universidade Federal de Viçosa.
Para constar, e segundo velha lenda, leite é igualmente veneno – quando misturado com manga e melancia. Em verdade, crença utilitariamente difundida por donos de fazendas, especialmente quando era grande a safra de frutas. E pouco o leite. Outra lenda é a de que nunca deve ser tomado depois da cachaça; que o leite talharia, no estômago, provocando dores e mal estar. Só que não durou muito, essa crença. Com cachaça e leite condensado vindo hoje misturados em drinks famosos, como “Leite de Onça” e “Leite de Camelo”. Com o vinho, segundo outra lenda, fará bem ou mal – dependendo da ordem que for tomado. “Vinho depois do leite, saúde; leite depois do vinho, veneno”, diz o povo. Por fim, só lembrar que leite, hoje, faz parte da nossa cultura: “Chorar o leite derramado” é se arrepender. “Tirar leite de pedra” é (quase) conseguir o impossível. “Tirar leite de vaca morta” é explorar o outro. “Esconder o leite” é ter mas fingir que não tem. E aquela faixa luminosa de estrelas, cortando o céu de fora a fora, é conhecida como Via Láctea, “Caminho do leite”, desde os gregos antigos. Uma visão que temos, por dentro, da nossa própria galáxia. E galáxia, para terminar, vem também do grego e quer dizer “branco leitoso”.

 

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