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O luxo e o lixo da Ilha Fiscal

Baile da Ilha Fiscal - Arte/Folha de Pernambuco

A Ilha Fiscal, que para dom Pedro II era “um delicado estojo, digno de uma joia”, será reaberta hoje (8 de julho), depois de um longo período de reforma. Originalmente conhecida como Ilha dos Ratos – por ser coberta de pequenas pedras cinzas que vistas de longe lembravam aqueles animais. O seu atual nome veio depois, quando passou a funcionar naquela pequena ilha o posto da Guarda fiscal. Mas ficou famosa mesmo por ter acontecido ali a última grande festa do Império antes da Proclamação da República (15 de novembro de 1889). A homenagem aos oficiais do cruzador chileno Almirante Cochrane era apenas um pretexto. O Presidente do Conselho de Ministros, Visconde de Ouro Preto (Afonso Celso de Assis Figueiredo), queria mesmo era mostrar a força da monarquia brasileira, ameaçada por tantos que defendiam ideais republicanos. Então organizou aquela que seria, segundo ele, “a maior e mais importante” festa entre todas já promovidas pelo Império. Aquele sábado, 9 de novembro de 1889 marcaria para sempre nossa história.
  
Tudo no Baile da Ilha Fiscal, como ficou conhecido, foi luxo e exagero. Mulheres cobertas de joias, usando vestidos (de seda, renda, chamalote ou veludo) comprados nas casas mais chics da rua do Ouvidor – Mme. Roche, Palais Royal, Wellimcamp. Homens com casacas, jaquetas e uniformes de gala. Rui Barbosa descreveu a cena com sua conhecida ironia: “Os ministros escovavam as casacas para o baile dos arrependidos e a Guarda Nacional narcisava ao espelho a bizarria marcial dos seus figurinos para a batalha das contradanças”. A grandiosidade da festa começou no Cais Pharoux, atual Praça Quinze, que dava acesso à ilha – com flores, candelabros a gás e orquestra. De lá, os convidados eram levados em barcos enfeitados com bandeiras e tapetes de luxo. Segundo O Jornal do Commercio do Rio (11 de novembro 1889), a ilha foi “transformada num cenário encantado, onde demoiselles vestidas de fadas e sereias recepcionavam os convivas”. O prédio, em estilo mourisco, teve seus salões decorados com palmeiras, vasos franceses, flores da terra, balões venezianos, lanternas chinesas, 700 lâmpadas, milhares de velas, bandeiras brasileiras e chilenas. Tudo ao som de valsas, de polcas e do Hino Chile-Brasil – especialmente composto, por Francisco Braga, para a ocasião. A família real chegou mais tarde, perto das 10 horas. D. Pedro II, fardado de almirante; D. Tereza Cristina, com vestido de renda Chantilly preto, rebordado de vidrilhos; a Princesa Isabel, usando saia de chamalote listada, corpete bordado de ouro e diadema de brilhantes na cabeça. 

Só que o maior de todos os exageros foi mesmo à mesa. 1.300 frangos, 500 perus, 300 pernis de presunto, 64 faisões, 18 pavões, 800 kg de camarão, 800 latas de trufas, 1.200 latas de aspargos, tudo decorado com legumes, flores ou frutas. Mais 14.000 sorvetes e 2.900 bandejas de doces sortidos, na sobremesa. Sem contar as bebidas: 258 caixas de vinho (Château d’Yquem, Château Lafitte, Château Duplessis, Chablis, Liebfraumilch, Madère Rouge, Marsala, Lacrima Christi), 300 de champanhe (Veuve Clicquot, Luis Röederer), 10.000 litros de cerveja e licores a fartar. As mesas foram arrumadas em forma de ferradura, com 250 lugares cada. Sobre elas toalhas de linho branco, talheres de prata, louças importadas e copos de cristal (nove, à frente de cada prato). Nas cabeceiras, 2 enormes pavões empanados. No centro, castelos de açúcar. Tudo servido por um batalhão de garçons devidamente paramentados.

D. Pedro não gostou do que viu. Menos ainda quando teve que pagar a conta, de 250 contos de réis – equivalente a 10% do orçamento anual do Rio de Janeiro. O Imperador, segundo se conta, se desequilibrou quando entrou no salão. E teria dito: “o monarca escorregou, mas a monarquia não caiu”. Acertou por bem pouco tempo. Que, seis dias depois, o Marechal Deodoro proclamava a República na praça da Aclamação (hoje, da República) – perto do cais Pharoux, de onde partiram os convidados para o Baile. Perplexo o povo, nas ruas, comemorou o fim do Império. No meio dele, estavam também os mesmos oficiais do navio chileno (ainda ancorado na Baia de Guanabara) que teriam sido homenageados pela última grande farra do Império. O Baile da Ilha Fiscal passou à história como um símbolo. É que civilizações em decadência têm, como traço comum, os exageros à mesa. Inclusive no Brasil, claro. O ex-presidente Collor, em seu último ano na Casa da Dinda, consumiu só de camarão, duas toneladas e meia.

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