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O oleiro dos sabores

Novo restaurante faz reverência ao ofício dos oleiros do Interior - Da editoria de Arte

Claudemir Barros, toda gente sabe disso, é um dos nossos mais importantes chefs. Recentemente, inaugurou seu próprio restaurante - O Oleiro Cozinha Artesanal. Um nome que não foi escolhido por acaso. Que desde cedo, ele era fascinado pelo trabalho do oleiro que transformava o barro bruto em obra de arte.

Talvez por ser, ele mesmo, um artesão dos sabores. Transformando ingredientes regionais, nem sempre valorizados, em verdadeiras obras de arte. A casa é simples e aconchegante, decorada com plantas e peças de barro. Mas o que a torna muito especial é o cardápio criado por Claudemir.

Entradas como: Carpaccio brûllé de coalho defumado, Dadinho de batata- doce com rabada e agrião, Cogumelos gratinados, Camarão com vinagrete de caju, Polvo com umbu acompanhado de couve-flor e farofa de cebola roxa. Entre os pratos principais: Saladas (de beterraba com queijo de coalho, de camarão com espaguete de legumes), Peixe recheado com camarão e grelhado na palha, Sinfonia do mar com arroz sertanejo, Filé curado com carbonara de pupunha, Porco com musseline de castanha, Arroz de pato com chorizo, Ossobuco com purê de fruta-pão, Cordeiro de sol na brasa.

E sobremesas: Torta de banana nanica com sorvete de doce de leite, Brûllé de caju na cumbuca de barro, Romeu e Julieta (sorvete e raspa de queijo com compota quente de goiabada cascão), Bolo de bacia com quebra-queixo e sorvete de limão. Sabores surpreendentes que só um verdadeiro artesão é capaz de executar. Para completar a excelência da casa, lá está o grande maître sommelier Otoniel Abilio, que sabe tudo da arte de harmonização dos vinhos.

Com muita honra fui convidada, por ele, para fazer o prefácio de seu livro - Sonhos & Sabores. A seguir, transcrevo parte desse prefácio: “Os sabores de um povo vão se formando aos poucos. Primeiro, aproveitando ingredientes e jeitos de fazer da própria terra. Depois, também os de lugares distantes. Até que um dia, nessa mistura democrática de muitas heranças, ganha uma forma própria.

“O alimento se torna familiar”, explica Roberto DaMatta, sendo “por isso mesmo definidor de caráter, de identidade social, de coletividade”. Nesse momento é que o alimento ganha importância definitiva, porque se transforma em linguagem. Uma linguagem que nos revela heranças, tradições, hábitos e valores diversos: econômicos, sociais, políticos, religiosos, étnicos, estéticos, culturais.

“Claudemir Barros compreendeu tudo isso muito cedo. Aprendeu que não é fácil viver em terras de “sol tirânico sob o qual todas as sombras são poucas”, segundo Gilberto Freyre. Não por acaso escolheu, para capa de seu livro, a imagem de uma coroa de espinhos sobre um chão rachado, de barro seco. Barro que carrega em seu próprio nome. Cresceu entre árvores estranhas.

O Facheiro (ou Mandacaru-de-facho) - assim chamado por ser usado como bucha para acender fogo. Utilizado como ingrediente de doces e bolos. A Macaibera - com folhas de que se faz rede; com fruto usado para remédio, sorvete, pão e suco. E, sobretudo, o Umbuzeiro (do tupi Y-mb-u, que significa árvore-que-dá-de-beber), símbolo de resistência. Na seca, perde todas as folhas. Com a chuva, volta a florescer. Dela tudo se aproveita - folhas, raízes e frutos.

Desse fruto se faz doce, geleia e a umbuzada (com leite e açúcar), muito apreciada por todos os nordestinos. Claudemir aprendeu também a gostar de frutas exóticas, apenas encontradas nessa região do Brasil. A Gogoia - redondinha e pequena, que só amadurece quando a árvore seca e morre. A Fruta-de-palma (ou Figueira-da-Índia) - tanto consumida ao natural como na preparação de doces, compotas e bebidas alcóolicas.

E o Cruá - com sabor doce e cheiro bem forte, em razão do que é também conhecida como fruta-de-cheiro ou cabaça de odor. Tem cor roxa e casca lisa, como a berinjela. Tamanho grande, como o jerimum. E polpa suculenta, como o melão, por isso também chamado de melão-caboclo.

“O menino sonhou alto. Desde muito cedo. Mesmo quando tudo parecia impossível. As primeiras lições, aprendeu com a mãe. Receitas de bode, paca, rolinha, tatu, teju. Depois, aperfeiçoou sua formação acadêmica. E tornou-se um chef. Um grande chef. Sonhou em escrever um livro. Fez isso. “Só o que sonhamos é o que verdadeiramente somos”, disse Pessoa (no Livro do Desassossego).

E deve se orgulhar do livro que escreveu. Ajudando e orientando pequenos produtores rurais. E mostrando ao mundo, com receitas que criou a partir de ingredientes locais, essa nossa culinária simples, forte, afirmativa e generosa. Como nossa gente. Seu sonho aqui está. Neste grande livro, Sonhos & Sabores. Viva, Claudemir!”

RECEITA
JAPONÊS DE BATATA-DOCE (Receita do livro Sonhos & Sabores)

INGREDIENTES
200g de batata-doce
130g de açúcar
50 de leite de coco
20g de coco fresco ralado
Suco de uma beterraba
30g de coco fresco ralado
25g de açúcar
50g de jerimum cozido
50ml do caldo do cozimento do jerimum
5ml de adoçante
Folhas de hortelã

PREPARO
· Cozinhe a batata-doce. Escorra a água e junte açúcar (130g), leite de coco, coco fresco ralado (20g). Mexa até soltar da panela. Dê, à massa, uma forma de batata. Reserve
· Em outra panela reduza, em fogo baixo, o suco da beterraba. Use essa calda grossa para pintar a batata-doce
· Misture açúcar (25g) com coco ralado (30g) e leve ao forno, até secar e dourar.
· Liquidifique o jerimum cozido com o caldo de seu cozimento. Adoce com o adoçante. Peneire
· Coloque no prato o jerimum, a batata-doce, a farofa de coco. E decore com folhas de hortelã

*É especialista em Gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço

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