O rei do baião
Luiz Gonzaga e suas referências gastronômicas
Em todas as festas juninas o compositor mais lembrado é Luiz Gonzaga, maior nome da música nordestina. Ele é conhecido por muitos nomes - Rei do Baião, Velho Lua, Bico de Aço, Gonzagão. Um homem que viveu sem nunca esquecer sua terra, em um compromisso que se via no seu jeito de vestir, de falar e mesmo no rosto curtido pelo sol. “Minha vida é andar por esse país” com sanfona, triângulo e zabumba, “pra ver se um dia descanso feliz”. E tanto fez que acabou inscrevendo o Nordeste no mapa do mundo. Nas músicas, falava de seus pais - Januário (dos 8 baixos) e Santana. De seus amores - Nazarena, Odaleia (mãe de Gonzaquinha, que não era seu filho biológico) e Helena, com quem viveu até morrer. De sua terra - “Quando oiei a terra ardendo/ Qual a fogueira de São João/ Eu perguntei a Deus do Céu, ai/ Porque tamanha judiação”. Dos seus pássaros - sabiá, assum-preto, rolinha, acauã, carimbamba, vim-vim, carão. Além da Asa branca, que deu nome a música que se tornou hino. O hino do Nordeste.
Presentes em sua vida sempre estiveram também os sabores. “Gonzaga adorava comer”, escreveu Dominique Dreyfus (em Vida de Viajante: a Saga de Luiz Gonzaga). Gostava de “ceia nordestina (pamonha, canjica, charque, bode, cuscuz, tapioca). Das comidas dos mercados públicos (paçoca de carne de sol, rabada, baião de dois, cozido). Mas seu prato preferido, por estranho que pareça, era macarronada” - segundo testemunho de José Mario Austregésilo (em Luiz Gonzaga - o homem, sua terra e sua luta). Talvez por isso esses pratos estejam presentes em tantos de seus sucessos. Como, por exemplo, em Feijão com côve (Carnaval de 1947): “Ai seu generá,/ feijão com côve que talento pode dar?/ Cadê a banha pra panela refogá?/ Cadê açúcar pro café açucará?/ Cadê o lombo, cadê carne de jabá?/ Que sem comida ninguém pode trabaiá”. Ou Baião de Dois (parceria com Humberto Teixeira): “Capitão que moda é essa, deixe a tripa e a cuié/ Home não vai na cozinha, que é lugá só de mulé/ Vô juntá feijão de corda, numa panela de arroz/ Capitão vai já pra sala, que hoje tem baião de dois/ Ai, ai ai, ó baião que bom tu sois/ Se o baião é bom sozinho, que dirá baião de dois”. Também Eu Vou Pro Crato (1963, parceria com José Jataí): “Eu vou pro Crato/ Comer arroz com pequi/ Feijão com rapadura/ Farinha do Cariri”. Mas escolho, para prestar homenagem a esse gênio, Linforme instravagante - onde ele imagina uma roupa, para colocar na noite de São João, feita só com comidas típicas da região.
Mandei fazer um linforme,
como toda a preparação
para botar no arraiá
na noite de São João
Chapéu de arroz doce
forrado com tapioca
As fitas de alfenim
e as fivelas de paçoca
a camisa de nata
e os botões de pipoca
A ceroula de soro
e as calça de coalhada
o cinturão de manteiga
e o buquê de carne assada
sapato de pirão
e a zenfilhon de cocada
As meias de angu
presilhas de amendoim
charuto de biscoito
e os anelões de bolim
os óculos de ovos fritos
e as luvas de toucin
O colete de banana
e a gravata de tripa
o paletó de ensopado
e o lenço de canjica
carteira de pamonha
e a bengala de linguiça
Vai ser um grande sucesso
no baile da prefeitura
a pulseira de queijo
e o relógio de rapadura
quem tem um linforme deste
pode contar em fartura