Os Sabores da Copa do Mundo
A culinária condimentada e picante do Catar, país sede
Duas bolas da marca Shoot, uma bomba de ar com pito, dois conjuntos de uniformes e um livro de regras – era quase tudo que havia na bagagem do jovem Charles William Miller, quando desembarcou no porto de Santos. Para desespero do pai, John Miller, um inglês sisudo que desde muito vivia por aqui. Tinha grandes planos para o filho, dez anos antes mandado à Inglaterra para estudar na Bannister Court Schhol, em Southampton. Mas esse filho gostava mesmo era de esportes. Naquele tempo os preferidos da aristocracia, na Europa, eram equitação, caça e esgrima; enquanto a gente simples se divertia jogando rugby, cricket e sobretudo um jogo que acabou encantando Miller – o futebol.
De volta, com toda aquela tralha, juntou amigos e ensinou as regras. A primeira partida oficial foi em Várzea do Carmo, no distante 14 de abril de 1895. O São Paulo Railway (time de Miller) venceu a Companhia de Gás por 4x1. Começava, naquela tarde, a história do futebol no Brasil. Um esporte que vem não da Inglaterra, como pensam muitos; mas da misteriosa China, 25 séculos antes de Cristo – com registro em desenhos de soldados da mais antiga das dinastias, a Chang, disputando com pés e mãos o domínio de uma bola pesada feita de ferragens e coberta com pele de animal. Na Itália Medieval se deu uma evolução desse jogo, conhecido então como Calcio – com nome, até hoje, mantido, naquele país. À Inglaterra chegou só por volta de 1300, conhecido entre os bretões como Hurling. Depois veio seu nome óbvio, foot (pé) + ball (bola), para se tornar o mais popular esporte do planeta.
Daí para a “Copa do Mundo” acabou sendo um pulo. A primeira, em 1930, disputada no Uruguai – campeão olímpico em 1924 e 1928. “Gol olímpico” vem daí, de ter sido o primeiro feito assim numa Olimpíada com a bola do escanteio entrando no gol sem tocar em ninguém. Os juízes demoraram para decidir se a jogada valeu. Algo parecido aconteceu com o primeiro gol de bicicleta por aqui – feito por Leônidas da Silva, na época center-four do São Cristóvão. Seu apelido acabou dando nome a um chocolate, ainda hoje muito bem vendido – o “Diamante Negro”. Nessa primeira copa, ficamos em 6º lugar. Em 1950, foi o desastre do Maracanã. Depois, tudo mudou. Até a cor da camisa – que de azul, para muitos cor do azar (por ser a camisa da final dessa Copa de 50), passou a ser amarelinha. O resto da história todo mundo conhece.
A 22ª Copa do Mundo começou domingo (20 de novembro). Com notícias invadindo jornais, rádios, televisões, internet e vasto conjunto de meios de transmissão de informação com o qual se quer se sonhava, na primeira edição. Entra em nossas casas um pouco da história de cada país (ao todo são 32) que estará jogando – bandeira, hino, monumentos, festas, cidadezinhas perdidas no tempo, grandes metrópoles, sua gente, seus costumes, sua cultura e sua culinária. E informações, sobretudo, do país-sede, o Catar – quarto mais rico do mundo. Atrás apenas de Luxemburgo, Singapura e Irlanda. Veremos imagens de sua capital (Doha). Do Estádio Nacional de Lusail – onde aconteceu a abertura e vai haver a partida final (em 18 de dezembro) entre Brasil e outro time qualquer. Assim espero. Vermos sua bandeira branca e vermelha hasteada. Ouviremos seu hino, em árabe, As-Salām al-Amīrī (Paz ao Emir) – “Eu juro, eu juro/ Jurando por Deus que erigiu o Céu/ Jurando, por Deus, que espalhou a luz,/ Catar será sempre livre”. Com costumes bem diferentes dos nossos – sem bebidas alcoólicas, sem demonstração de afeto em público, por lá considerado ato obsceno.
Sua culinária é muito especial. Condimentada e picante. Com algumas receitas sírio-libanesas que já conhecemos por aqui – Esfiha aberta ou fechada (massa de pão recheada com carne temperada), Kafta (espécie de almondega de carne de cordeiro, colocada no espeto), Kibe (massa de triguilho, carne e condimentos), Tabule (salada com trigo para kibe), Tahine (pasta de gergelim). Mas não são receitas próprias do Catar. Que, por lá, pratos tradicionais são Saloona (ensopado de carne de boi, cordeiro ou peixe com legumes); Warak enab (carne de boi ou cordeiro e arroz, temperadas com alho, pimenta e coentro, enroladas em folha de parreira); Majboos (cordeiro ou frango com especiarias, cozido lentamente e servido sobre arroz temperado, salada e molho de tomate); Madrouba (mingau de arroz, feito com leite, manteiga, cardamomo e frango, fervido por horas até que tudo se desmanche e fique com consistência de papa, tudo coberto com cardamomo e cebola frita); Kousa Mahshi (espécie de abobrinha recheada com carne de cordeiro moída, salsa e hortelã). E sobremesas como Luqaimat (bolinho frito, crocante por fora e macio por dentro, coberto com calda de açúcar); Umm ali (semelhante ao pudim de pão, com passas, nozes, leite; e polvilhado com canela); Khanfaroosh ( disco de massa frita, polvilhada com açúcar ou mel). Portanto sabores não faltarão. Viva a seleção, que é de todos nós. E como ensina mestre João Ubaldo Ribeiro, “Viva o povo brasileiro”.