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Pão e circo

Pão e circo - Greg/Arte Folha de Pernambuco

“Já há muito tempo, as pessoas abdicaram dos seus deveres... tudo agora as detém em si e esperam, ansiosamente, duas coisas: pão e circo” – assim dizia o poeta romano Juvenal (em Sátira X, 77-81). Criticando aqueles que não mostravam interesse pelos assuntos de suas cidades. Da res publica (daí vindo república). Só se preocupando com os prazeres da mesa e com as festas. O primeiro imperador romano Otavio Augusto (63 a.C. – 14) adotou, depois, esse lema – Panem et circenses. Com o objetivo de apaziguar eventuais movimentos de insatisfação social. Então distribuía regularmente pão, no Portico Minucius; e oferecia lazer, nas grandes arenas – corridas de pedestres ou bigas (puxadas por cavalo), lutas de gladiadores (inclusive com animais ferozes), espetáculos com acrobatas e palhaços. Na verdade, essa política de pão e circo continua bem atual. Por meio de um assistencialismo despudorado e de shows pagos com dinheiro do contribuinte, políticos de hoje tentam cativar o povo. Sobretudo em época de eleição. Em busca de votos, claro. Com parte dos cachês indo parar sempre nos bolsos dos ocupantes do poder. E tudo na esperança de que seus eleitores não percebam. Ilusão, apenas. Que, como dizia nosso dom Helder, “Essa gente pensa que o povo não pensa. Mas o povo pensa”. 

Semana passada (16 de outubro) celebramos o dia do pão – o mais importante de todos os alimentos. Em todas as culturas. Tanto que a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) lhe rendeu homenagem pondo, no seu logotipo, Fiat Panis (Faça-se o pão). Inspirada na frase bíblica Fiat Lux (Faça-se a luz). É o mais simbólico dos alimentos, também. Não por acaso Belém (Bet’lehen), cidade da Palestina onde nasceu Jesus, significa casa do pão. Ele próprio, Cristo, é o pão da vida (João 6, 35) – representado, no ofertório, pela hóstia. Aliás, na Bíblia, não faltam referências ao pão (em torno de trezentas).

Não se sabe, com precisão, quando surgiu esse pão. Mas é consenso que só ocorreu depois de algumas conquistas: o domínio do fogo (mais importante das descobertas da civilização); o início da agricultura (primeiro grão semeado foi o sorgo; depois cevada, aveia, trigo, centeio); e o desenvolvimento da cerâmica. Naquele tempo, havia já uma divisão de tarefas bem definida – homens faziam fogo, enquanto mulheres cuidavam do plantar e da preparação dos alimentos. Deu-se então que aqueles potes de barro, primitivos ainda, foram postos no fogo. Com água e grãos. Assim nasceu a primeira receita de pão. Mais tarde, para que aquelas papas se conservassem por mais tempo, passaram a ressecá-las diretamente no fogo. Ou sobre pedras naturalmente aquecidas pelo sol.  Primeiro na Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates. Depois no Egito.  Esse pão era no começo ázimo, feito sem nenhum fermento. Só bem mais tarde (entre 2.000 e 1.600 a. C.), passou-se a fermentar a massa de trigo e a assar essa massa em fornos de tijolos, feitos de lama do próprio rio Nilo. Até salário, de vez em quando, com ele se pagava – daí vindo a frase bíblica “Comerás o pão com o suor do teu rosto” (Gen 3, 19). Gregos aprenderam com os egípcios a arte de fazer pães. Passando a triturar aqueles grãos entre duas pedras redondas sobrepostas (Mó), movidas pelo esforço do próprio braço. Depois, foram os romanos que aprenderam com os gregos. Agora, usando moendas que giravam pela força da água, de animais ou de escravos. E era o alimento de toda gente. Até por lá se dizia, daquele com quem se repartia o pão, serem cum (com) panis (pão) – daí vindo palavras como companhia e companheiro. 

Nos conventos da Idade Média, foram então surgindo receitas novas, com acréscimo de ingredientes e aperfeiçoamento das técnicas. Por esse tempo, a italiana Catarina de Médicis levou à França, para seu casamento com Henrique II (1533), cozinheiros, padeiros e receitas de pão.  Lá, foram ficando cada vez mais sofisticados e requintados. A França passou a ser, nos séc. XVII e XVIII, maior e mais importante produtor mundial de pão. Sem esquecer que por conta dele Maria Antonieta (mulher de Luís XVI) perdeu a cabeça. Literalmente. Quando recomendou, em frente ao palácio de Trianon, à multidão faminta, “Se não têm pão, que comam brioche”. 

Ao Brasil, veio com o colonizador. “Na terra não há pão, supre-se este defeito com o pó de uma raiz sativa, a que chamam de mandioca”, disse o médico português dr. Mirandela (no seu Âncora Medicinal para Conservar a Vida com Saúde). Essa mandioca estava presente em todas as refeições – com beijus, farinhas, mingaus, pirões. Naquele tempo, só poucos tinham acesso ao trigo que vinha de Portugal. Sem contar que os pães, feitos com esse trigo, eram duros, pesados, secos. Semelhantes no gosto (e diferentes na forma) ao Brote – única receita holandesa que nos ficou, em 24 anos de dominação (1630-1654). Segundo Gilberto Freyre, o Brasil conheceu o verdadeiro pão só a partir do séc. XIX, com a chegada da família real. Nessa época, diz ele, “o francesismo invadiu todas as mesas”. Passamos a reproduzir a receita europeia do pão com miolo branco e casca dourada. Como se faz ainda hoje. Estranho é que em nenhum lugar do mundo tem o nome que lhe demos aqui – pão francês. E que lá nem mesmo se fabrique um pão assim. Acontece. Na culinária, como na vida, nem sempre as coisas são o que parecem ser. 
 

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