Pastel de Belém
Ir a Portugal e não provar o pastel de Belém é como ir a Roma e não ver o Papa. Esse famoso e decantado doce português, visto com rigor, nem pastel é. Que pastel quase sempre é massa envolvendo completamente o recheio. Ao contrário dele, que tem a massa coberta com o que seria seu recheio.
E se o pastel não parece o que é, seu nome, ao contrário, parece o que não é. Que, para muitos, evoca Belém (Bet’lehem, a “casa do pão”), cidade onde nasceu Jesus. Só que esse Belém do pastel nos remete ao bairro de Belém, em Lisboa. Um lugar, na foz do Tejo, que reflete toda a opulência dos descobrimentos: a praia do Restelo, de onde partiram todos os navegadores; a Torre de Belém; o Padrão dos Descobrimentos, “ao pé do areal moreno” segundo Fernando Pessoa, em “Padrão” (“Mensagem”); e, sobretudo, o Mosteiro dos Jerônimos - onde, não por acaso, nasceu o dito Pastel de Belém a partir de receita do Pastel de Nata.
Só para lembrar, esse Mosteiro começou a ser construído por D. Manuel I, em homenagem à Santa Maria de Belém. Logo depois que Vasco da Gama, ostentando a cruz da Ordem de Cristo, voltou de sua primeira viagem às Índias, em 1497. Foi “feito de pimenta”, assim se dizia, por ter sido construído com os lucros do comércio de especiarias. Sobretudo a “Vintena da Pimenta”.
Uma vez pronto, foi entregue aos monges da Ordem de Cristo; e, mais tarde, aos da Ordem de São Jerônimo - passando, só a partir de então, a ser mais conhecido como “dos Jerônimos”. O preço do presente eram as muitas missas que deveriam rezar diariamente, pela alma do Rei; além de tarefas menos nobres, como prestar assistência espiritual aos “mareantes e navegadores”.
Sem contar, embora isso não constasse do contrato, que também se dedicavam à arte de exercitar o doce pecado da gula. Assim se deu até 30 de maio de 1834 - quando o Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, Joaquim António de Aguiar promulgou lei que declarava extintos “todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares”.
Confiscados os patrimônios de todas essas ordens, os monges tiveram que abandonar o mosteiro; e o Ministro, sem gostar muito do apelido, passou a ser conhecido como o “Mata-Frades”.
Para sobreviver, passaram os religiosos a vender doces ao lado da Refinaria de Açúcar, bem próximo ao Mosteiro; e, entre tantos doces, aquele de maior sucesso - um Pastel de Nata diferente, “Fruto essencialmente da habilidade, engenho, ociosidade, rivalidade e riqueza dos monges, freiras e noviças”, reconhece Jose Quitério.
E diferente era mesmo, de todos os outros: na massa, crocante e com brilho na borda; e no recheio, cremoso e suave. Sem contar que era servido sempre quente, polvilhado com açúcar e canela. O segredo da receita foi passada por um daqueles monges a Domingos Rafael Alves - que abriu, em 1837, uma pastelaria denominada “Casa Pastéis de Belém”. Deu tão certo que continua, ainda hoje, no mesmo lugar - Rua de Belém, números 84 a 92.
Com portas azuis, protegidas por toldos também azuis, em que se pode ler “Pasteis de Belém, desde 1837” e “Única Fábrica de Pasteis de Belém”. Tudo para acomodar os que esperam a vez de ser atendidos, nas longas filas que se formam, invariavelmente, ao longo da calçada. Mesmo funcionando, diariamente, das 8h às 23h (ou até meia-noite, no verão).
No interior, mesas espalhadas em salas decoradas com azulejos azuis e brancos e o balcão de vidro onde são vendidos os pasteis, ao preço de 6 euros para cada caixinha com seis unidades. Hoje, são cerca de 18.000 pasteis por dia. A receita e o nome foram patenteados. Pastel de Belém são só os produzidos naquela pastelaria. Nem os de massa folhada, que começam a ser servidos nos restaurantes com o nome de Pastel de Belém.
Em tempos de globalização, nem podia ser diferente. Assim Champanhe é só aquele espumante da região de Champanhe. Cachaça é só nome de aguardente de cana. E Pastel de Belém é só o de Belém. E ponto final. Na cozinha da pastelaria, em sala reservada conhecida como “Oficina do Segredo”, os ingredientes são pesados e misturados, mantido o segredo da receita restrito a quatro pessoas, que assinam termo de responsabilidade prometendo guardar sigilo eterno.
O Pastel de nata chegou ao Brasil com os primeiros colonos e aqui sofreu adaptações, especialmente com a troca da massa folhada por outra um pouco mais simples; preservando, entretanto, quase integralmente o recheio - aqui usando leite, em lugar de nata. O gosto é muito bom. Problema é só que esse nosso pastel, apesar de muito saboroso, não é de Belém.
RECEITA: PASTEL DE BELEM (Olivier Anquier)
INGREDIENTES
Para a massa folhada:
1kg de farinha de trigo
1kg de manteiga amolecida
20g de sal
½ litro de água
Para o recheio: 1 litro de creme de leite fresco, 18 gemas, 18 colheres de açúcar
PREPARO
· Massa: bata farinha, 150g de manteiga, sal e água. Misture e deixe na geladeira por 2 horas. Abra a massa em cruz e ponha 850g de manteiga dentro.
Dobre, como se fosse um envelope, e deixe descansar por 1 hora. Dobre novamente e deixe descansar, por mais 1 hora. Coloque em formas de empada e deixe descansar, por ½ hora
· Recheio: Leva gemas, açúcar e creme de leite ao fogo. Mexa até ferver. Leve à geladeira. Com o creme encha as formas que estão com a massa e leve ao forno, até dourar
*É especialista em Gastronomia. Escreve toda semana neste espaço.