Rostand Paraíso
“As Academias precisam de antiguidade”, lembrava Joaquim Nabuco em seu discurso de posse na ABL. E precisam mesmo. De antiguidade e tradição. De tradição e memória.
A mesma memória que, para Santo Agostinho (em Confissões), “guarda tesouros de imagens sem conta, imagens de toda espécie, para lá levadas pelos sentidos”. Assim devemos olhar o futuro. Com os olhos do presente. E olhar o passado com os olhos do futuro. Por isso a história é importante. Por ser parte de quem somos.
O que foi feito e o tanto por fazer. As Academias não se fazem com pessoas isoladas, por brilhantes que sejam. Elas resultam de uma ação coletiva. Compartilhada. E existem não pelo esforço de uma geração, apenas. Mas de várias.
Em conhecimentos acumulados e superpostos. Somos anões nos ombros de gigantes, como na célebre imagem de Bernard de Chartres, depois aproveitada por tantos escritores - desde Montaigne até Monteiro Lobato. O futuro nos ombros do passado. O hoje depois do ontem. A Academia Pernambucana de Letras perdeu um de seus pilares - Rostand Paraíso. Mas ele será sempre a presença do eterno naquela casa e em cada um de nós.
Cronista, memorialista e historiador, buscava com rigor o fato histórico. Com estilo leve, poético até, guardou a memória de lugares, pessoas, hábitos, nos revelando um Recife quase esquecido pelo tempo. Antes que o tempo apague foi título de um de seus primeiros livros.
“Fechando os olhos por uns instantes, e dando asas à imaginação, procuro ver como se deu o nascimento de uma cidade como o Recife, e como, ao longo do tempo foi se processando seu crescimento. Os primeiros moradores, as primeiras casas. Os aterros iniciais, os caminhos de terra batida que, aos poucos, foram se transformando em ruas pavimentas.
As provisões, inclusive de água potável trazidas, em canoas ou navios, de pontos distantes. O aparecimento dos primeiros estabelecimentos comerciais. E dos becos e esquinas, bares e botecos, pontos de encontro”.
Em Toque de Recolher, fala de seu jeito de escrever: “Meus escritos estão voltados para o passado. Lembrando aqui e ali, como dizia Pedro Nava, cheiro de mato, ar de chuva, ranger de porta, farfalhar de galhos ao vento noturno, chiar de resina na lenha dos fogões, gosto d’água de moringa nova, sempre naquela busca incessante do tempo perdido de que nos fala Proust”.
E faz um balanço do que escreveu: “Ao reler o que escrevi nesses últimos anos, me invade uma vontade de passar a limpo alguns artigos. Revendo papeis antigos, recortes de jornais e revistas, cartas, bilhetes, folhetos, vou encontrando coisas que poderiam ter sido ditas, e não foram, e, quando ditas, o foram de uma maneira incompleta ou não muito correta”.
Para ele “falar do passado é, de um modo geral, triste, mas estranhamente, sentimos sempre um grande prazer em fazê-lo, em reviver nossos sonhos, tenham ou não sido realizados, e deslumbrar os caminhos que, involuntariamente, às vezes formos tomando ao longo da vida.
E ver o amadurecimento que, pouco a pouco, foi se instalando em nós, à custas de tristezas e decepções, mas, também de alegrias”. Fernando Pessoa (em Odes, 26/05/1930) disse que “o passado é o presente na lembrança”. Se assim for, dr Rostand viverá para sempre na memória de seus amigos e da Academia que foi um pedaço de sua vida.
*É especialista em Gastronomia e escreve quinzenalmente neste espaço